Governo chinês persegue advogados voluntários que ajudam manifestantes

Polícia investiga defensores que se ofereceram para representar pessoas que foram às ruas protestar contra a política de Zero Covid

Advogados de direitos humanos na China têm se desdobrado para tirar de trás das grades manifestantes presos durante os protestos contra as barreiras sanitárias da rígida política Zero Covid, iniciados em novembro. A tarefa tem sido dificultada pela força de segurança do Estado, que está investigando o trabalho dos defensores. As informações são da rede Radio Free Asia.

Uma delas é Wang Shengsheng. A advogada compilou e publicou uma lista de dezenas de colegas que se ofereceram para ajudar pessoas levadas sob custódia por protestar contra as restrições da Covid-19 ou por lamentar as trágicas mortes de pelo menos dez pessoas em um incêndio em um apartamento na capital de Xinjiang, Urumqi, episódio que foi o estopim das manifestações. Segundo Wang, a polícia está no seu encalço desde que ela começou a dar assessoria jurídica aos detidos.

Oficiais de polícia chineses em Beijing, abril de 2007 (Foto: WikiCommons)

A defensora contou que a polícia esteve no escritório dela e levou todos os arquivos ligados a casos anteriores.

“Eles enviaram pessoas do comitê do departamento judicial [do Partido Comunista Chinês]”, disse ela. “Eles estavam verificando se meus registros estavam em ordem”, contou, acrescentando que os agentes estão tentando encontrar algum erro que possa identificar envolvimento político.

“Também querem saber se eu aceitei ou não casos politicamente delicados”, disse Wang. “Eles estão deliberadamente tentando me pegar cometendo um erro”.

Diante do maior desafio do regime em décadas, o PCC afirma que os protestos são fomentados por forças externas. Enquanto isso, nas ruas, chineses erguem folhas de papel em branco como uma crítica à censura generalizada, e gritos de “democracia, Estado de direito, liberdade de expressão” foram ouvidos em alguns casos.

Sob pressão, alguns advogados se recusam a participar da rede de voluntários, temendo perder sua licença para exercer a advocacia. E não é à toa, já que foi o que aconteceu com muitos defensores que se manifestaram em favor dos direitos humanos ou ajudaram dissidentes políticos e outros grupos marginalizados.

“Muitos advogados de direitos humanos tiveram suas licenças revogadas, e os que permanecem têm muito medo de enfrentar o governo quando se trata de representar casos”, disse o o veterano advogado Yu Wenshen, que acrescentou: “Às vezes parece que não há muita diferença entre a vida na prisão e a vida fora dela”.

Por que isso importa?

Beijing tem adotado uma severa política de combate ao coronavírus, com relatos de milhões de cidadãos trancados em casa durante períodos longos e empresas impedidas de funcionar, impactando duramente nas vidas das pessoas e na economia do país.

Há relatos de chineses que morreram durante os períodos de confinamento por falta de atendimento médico para doenças diversas da Covid-19 e até de fome, devido à impossibilidade de sair de casa para obter alimento.

Em maio, Tedros Ghebreyesus, chefe da OMS (Organização Mundial de Saúde), contestou a política “Zero Covid” de Beijing, o que levou o governo a censurá-lo. Declarações dadas por ele foram excluídas de ao menos dois canais, o serviço de microblogs Weibo e o aplicativo de mensagens WeChat.

A autoridade de saúde disse não aprovar a radical política chinesa de trancar a população em casa, uma iniciativa que começou em Xangai, durou seis semanas e se repetiu em outras cidades do país em meio à rápida disseminação da variante Ômicron.

“Quando falamos sobre a estratégia ‘Zero Covid’, não achamos que seja sustentável, considerando o comportamento do vírus agora e o que prevemos no futuro”, disse o chefe da OMS. “Discutimos esta questão com especialistas chineses e indicamos que a abordagem não será sustentável. Acho que uma mudança será muito importante”.

Em abril, a ONG Human Rights Watch (HRW) alertou para os danos que o confinamento vem causando a seus cidadãos, particularmente em Xangai. “As autoridades de Xangai impuseram medidas draconianas de bloqueio desde março de 2022, que impediram significativamente o acesso das pessoas a cuidados de saúde, alimentos e outras necessidades vitais”, disse a entidade na ocasião.

No caso específico de Xangai, pessoas teriam morrido porque não foram autorizadas a sair de casa sequer para tratamento médico de doenças crônicas que enfrentam. E de crianças separadas de seus pais porque um ou mais integrantes da família testaram positivo para Covid-19. Muitos cidadãos teriam ficado sem comida em casa, devido à longa duração do bloqueio, que os pegou desprevenidos.

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