Juízes britânicos deixam corte superior de Hong Kong devido à repressão estatal

Juízes do Reino Unido têm vaga na mais alta instância da Justiça local desde 1997, quando o território foi cedido à China

O governo do Reino Unido anunciou na quarta-feira (30) que dois de seus juízes, membros da Suprema Corte britânica, renunciaram a suas posições na Corte de Apelação Final de Hong Kong. Eles alegam que a decisão foi tomada em função da repressão às liberdades individuais no território semiautônomo, intensificada após a adoção da lei de segurança nacional em 2020. As informações são da rede BBC.

Os juízes que anunciaram a renúncia são o presidente da Suprema Corte do Reino Unido, Robert Reed, e o colega Patrick Hodge. A corte representa a mais alta instância da Justiça de Hong Kong, na qual juízes britânicos ocupam vagas desde 1997, parte do acordo de cessão do território pelo Reino Unido à China. Há ainda outros seis juízes britânicos, que terão liberdade para decidir se permanecem ou não. Canadá, Austrália e Nova Zelândia também têm direito a assentos no tribunal.

“Os juízes da Suprema Corte não podem continuar sentados em Hong Kong sem parecer endossar uma administração que se afastou dos valores da liberdade política e da liberdade de expressão”, disse Reed, cujas palavras foram endossadas pela secretária das Relações Exteriores Liz Truss: “Vimos uma erosão sistemática da liberdade e da democracia em Hong Kong. Desde que a lei de segurança nacional foi imposta, as autoridades reprimem as liberdade de expressão e de imprensa e a livre associação”.

Da esquerda para direita, bandeiras da China, Taiwan e Hong Kong (Foto: Divulgação/Freepik/Patara)

A chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, contestou a decisão e disse que ela encerra efetivamente o acordo estabelecido com o Reino Unido em 1997. “Devemos refutar com veemência quaisquer alegações infundadas de que as renúncias dos juízes tenham algo a ver com a introdução da lei de segurança nacional de Hong Kong ou o exercício da liberdade de expressão e liberdade política”, disse ela.

Por sua vez, Beijing afirmou que “deplora fortemente” a renúncia dos juízes e reforçou sua posição de que o território é governado de acordo com o Estado de direito, criticando o que chamou de “tentativas de difamar maliciosamente as políticas da China para Hong Kong”.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela “lei de segurança nacional“, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território, enquanto o Reino Unido diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China.

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