Justiça de Hong Kong condena cinco autores de série de livros infantis

Fonoaudiólogos responsáveis pela publicação das obras são acusados de sedição por citarem os protestos pró-democracia de 2019

Cinco fonoaudiólogos foram condenados pela Justiça de Hong Kong por sedição, acusação vinculada à publicação de uma série de livros infantis que fazem referência aos protestos por democracia no território autogovernado ocorridos em 2019. As informações são da rede Voice of America.

Ao justificar a acusação, a promotoria afirmou que as obras têm clara “intenção sediciosa” por retratarem a população de Hong Kong como ovelhas, enquanto os chineses são lobos. Trata-se de uma série de três livros voltados a crianças entre quatro e sete anos de idade que contêm alegorias sobre os protestos.

Quando os autores foram detidos, em julho de 2021, as autoridades apreenderam cerca de 550 livros e folhetos, além de terem congelado 160 mil dólares de Hong Kong (R$ 107 mil, no câmbio atual). A União Geral de Fonoaudiólogos de Hong Kong, da qual os autores faziam parte, encerrou as atividades.

Embora a condenação tenha sido anunciada, ainda não se sabe o tamanho da pena, que pode chegar a dois anos de prisão. Os réus estão detidos há cerca de um ano.

A acusação contra o grupo se baseia em crime não previsto na lei de segurança nacional imposta pela China em 2020 e que foi uma reação direta aos protestos pró-democracia. Porém, tribunais locais têm usado os poderes conferidos pela lei para aplicar normas da era colonial que previam a sedição.

Combate entre a polícia e manifestantes, Hong Kong, julho 2019 (Foto: CreativeCommons/Studio Incendo)

A sentença foi contestada por Eric Yan-ho Lai, analista jurídico da Universidade de Georgetown, em Washington. “O caso de publicação sedicioso de hoje marcou a era em que o tribunal está voltando aos tempos coloniais, pois pune dissidentes políticos por discursos não violentos, o que não é aceitável sob os padrões internacionais de liberdade de expressão”, disse ele.

Lai lembrou que a ONU (Organização das Nações Unidas) chegou a solicitar a Hong Kong que abolisse a lei usada atualmente para punir casos de sedição, um pedido que foi ignorado. Ele destacou que a punição dos cinco autores “deprecia ainda mais o compromisso do governo de Hong Kong com o ICCPR (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos)”.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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