Mais de 1,3 mil pessoas foram presas em Mianmar por críticas online à junta militar

Com o golpe perto de completar um ano, regime prometeu agir contra os críticos virtuais com base nas leis antiterrorismo e de telecomunicações

A junta militar que governa Mianmar desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021 prendeu mais de 1,3 mil pessoas por críticas ao regime feitas na internet desde que a tomada de poder completou um ano. Os números foram divulgado pela organização independente Data For Myanmar (Dados por Mianmar, em tradução literal), com informações reproduzidas pela rede Radio Free Asia (RFA).

Os dados foram registrados a partir de fevereiro de 2022, aniversário de um ano do golpe. Foi a partir dali que a junta prometeu agir com maior rigor contra os críticos virtuais, tomando como base para as denúncias as leis antiterrorismo e de telecomunicações.

Críticas feitas pela internet levaram birmaneses para a cadeia (Foto: John Schnobrich/Unplash)

“Até setembro de 2023, um total de 1.316 pessoas foram detidas por criticarem a junta e apoiarem as forças da oposição nas plataformas das redes sociais. A maioria dos detidos era usuária do Facebook. Uma média de 65 pessoas foram detidas todos os meses”, diz postagem da entidade na rede social X, o antigo Twitter.

O sucesso da campanha repressiva do governo não teria sido possível sem a colaboração de aliados entre a própria população. Segundo o relatório, muitas pessoas foram denunciadas através de doxxing, que é a divulgação de dados pessoais sem o aval do individuo alvo e invariavelmente com intenções danosas.

O Telegram foi bastante usado para divulgação de informações pessoais e fotos de cidadãos que usaram a internet para criticar o regime. Houve casos inclusive de pessoas denunciados por terem se juntado a uma corrente online de orações pela líder democrática Aung San Suu Kyi, que foi presa pelos militares no golpe de Estado e atualmente sofre com problemas de saúde no cárcere.

“Ironicamente, eles dizem que agem [contra as pessoas] ao abrigo da lei antiterrorismo porque essas pessoas incitaram atos terroristas, mas são os únicos que cometem terrorismo”, disse Kyaw Zaw, porta-voz do gabinete presidencial do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), grupo que estabeleceu um regime paralelo para enfrentar a ditadura.

Não à toa, Mianmar apareceu em penúltimo lugar no mais recente ranking de liberdade na internet da ONG Freedom House, divulgado no início de outubro. O país somou apenas dez pontos e ficou à frente somente da China, que registrou nove e ocupa o último lugar. A Islândia, com 94 pontos, foi considerada a nação com a internet mais livre do mundo.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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