UE anuncia novas regras de combate ao trabalho forçado e coloca Xinjiang na mira

Proibição do bloco se aplica a produtos de todo o mundo, diferente do embargo dos EUA, que se concentra especificamente na China

A União Europeia (UE) chegou a um acordo provisório, nesta terça-feira (5), para impedir que produtos fabricados com trabalho forçado entrem ou saiam do mercado do bloco econômico, conforme informado pelo Parlamento Europeu em comunicado de imprensa. Por conta de denúncias de violações aos direitos humanos na região de Xinjiang, que recentemente envolveu empresas europeias, a China está na mira.

A proibição visa setores econômicos específicos em regiões onde o trabalho forçado é imposto pelo Estado, conforme identificado por uma base de dados da Comissão Europeia. A medida ainda aguarda aprovação do Parlamento Europeu e do Conselho, composto pelos Estados-Membros da UE.

A regulamentação foi proposta pela Comissão da UE em setembro de 2022 e tem como objetivo criar uma estrutura legal para investigar e eliminar produtos fabricados com trabalho escravo nas cadeias de suprimentos das empresas. Estima-se que 27,6 milhões de pessoas em todo o mundo sejam exploradas por trabalho forçado.

Bandeiras da China e da União Europeia (Foto: Friends of Europe/Flickr)

O ministro belga da Economia e do Emprego, Pierre-Yves Dermagne, enfatizou a necessidade de erradicar o “crime hediondo do trabalho forçado”, destacando a importância de desmantelar o modelo de negócios das empresas que exploram os trabalhadores.

Conforme o acordo, a responsabilidade pela investigação das cadeias de suprimentos suspeitas será das autoridades nacionais ou, em caso de envolvimento de países terceiros, da Comissão da UE. Caso confirmada a utilização de trabalho forçado, as autoridades terão o poder de ordenar a retirada dos produtos do mercado europeu e de plataformas online, além de confiscá-los nas fronteiras.

Posteriormente, os produtos deverão ser doados, reciclados ou destruídos. Itens considerados estratégicos ou críticos para a UE podem ser retidos até que a empresa elimine o uso de trabalho forçado em suas cadeias de suprimentos.

Além disso, caso apenas uma parte de um produto seja afetada, essa parte poderá ser substituída sem a necessidade de retirar o produto inteiro do mercado, como, por exemplo, se um componente de um veículo for passível de substituição.

“Este é um avanço significativo para alcançar um comércio justo e garantir a integridade das cadeias de suprimentos, priorizando os direitos humanos”, declarou Samira Rafaela, uma das principais eurodeputadas envolvidas no assunto.

Xinjiang

Devido às regras da Organização Mundial do Comércio (OMS), a documentação não menciona a China, segundo reportagem do jornal South China Morning Post. No entanto, a proposta nasceu devido a acusações de trabalho forçado em Xinjiang, negadas por Beijing.

Desde a publicação de um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2022 que apontou possíveis crimes contra a humanidade na região de Xinjiang, a UE tem sofrido pressão para agir sobre o trabalho forçado. Ativistas pediram ao bloco para seguir os passos dos EUA e colocar a responsabilidade de garantir cadeias de suprimentos livres de trabalho forçado sobre os importadores.

Cético, o antropólogo alemão Adrian Zenz, especializado em Xinjiang e no Tibete, amplamente usado como referência no que diz respeito às denúncias contra a província chinesa, argumenta que “seria melhor não ter nenhuma legislação do que adotar uma que não seja eficaz”. Ele afirma que, “se a UE não puder implementar uma lei eficaz, é melhor não fazer nada”, porque “assim não haveria a ilusão de que a União Europeia fez algo”.

Recentemente, a questão dos direitos humanos na China veio à tona na Europa, com a BASF, uma gigante alemã do setor químico, anunciando a decisão de encerrar prematuramente suas joint ventures – parcerias comerciais entre duas ou mais empresas para realizar um projeto ou negócio específico, compartilhando recursos e responsabilidades – em Xinjiang, devido a relatos de abusos por parte de seus parceiros comerciais na região.

Agora, a Volkswagen enfrenta crescente pressão para seguir o exemplo, após a divulgação de evidências, por um jornal alemão, no mês passado, do suposto envolvimento da empresa em trabalho forçado na mesma região. Há indícios de que a gigante automobilística usou trabalho forçado dos uigures e contribuiu para a vigilância estatal contra a minoria étnica.

Por que isso importa?

A província de Xinjiang faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes linguísticas e étnicas. Ali vive a comunidade uigur, uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Em agosto de 2022, a ONU divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O relatório, porém, não citou a palavra “genocídio” usada por alguns países ocidentais. O governo do presidente Joe Biden, dos EUA, foi o primeiro a usar o termo para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e a Lituânia se juntou ao grupo mais recentemente.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. Beijing costuma classificar as denúncias como “a mentira do século”.

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