ARTIGO: cinco critérios para a quarentena em países de baixa renda

Estudo questiona como criar isolamento que funciona em países pobres, em vez de mimetizar nações ricas

Este artigo foi publicado pela Universidade das Nações Unidas, em inglês.

Com o novo coronavírus se espalhando pelo mundo, países em desenvolvimento estão replicando a quarentena para conter o vírus usada na China, Europa e América do Norte. Mas essas políticas são apropriadas para um contexto de baixa renda?

Propomos um índice simples de facilidade de isolamento que identifica a parcela das famílias que poderiam se abrigar em casa por um longo período de tempo.

Usando Moçambique como estudo de caso, o índice de facilidade de confinamento sugere a necessidade de adaptações mais inventivas das políticas de saúde pública, em vez de uma adoção completa de opções de outros lugares.

Muitos países implementaram medidas de restrição, incluindo isolamento em casa, como resposta à pandemia global. Essa estratégia foi adotada originalmente na China e, nos últimos meses, têm sido replicada por governos do hemisfério norte.

O objetivo do isolamento em casa é manter o máximo de distância social e diminuir o contato de membros de fora da família. Mas essa medida pressupõe que as famílias podem realmente permanecer isoladas com relativa facilidade.

No hemisfério norte, por exemplo, uma hipótese básica é a de que as pessoas podem trabalhar remotamente de casa, por meio da internet e telefones celulares. Mas quais são as condições que tornam o abrigo em casa viável?

Aplicando o índice em Moçambique, nossa principal premissa é que um isolamento rigoroso ou total seria muito difícil para a maioria das famílias, incluindo aquelas na área urbana. Não é só porque as condições das famílias são inadequadas para o isolamento. Muitas pessoas simplesmente não podem se dar ao luxo de ficar em casa.

Sem uma ampla rede de segurança, que poderia substituir temporariamente a perda de renda ou garantir comida suficiente na mesa, um isolamento rigoroso poderia rapidamente se transformar em uma agitação social.

ARTIGO: 5 critérios para a quarentena funcionar em países de baixa renda
Reservatório de água na província de Cabo Delgado, em Moçambique (Foto: Eskinder Debebe/UN Photo)

Pressupostos da quarentena

Para simplificar, podemos considerar os seguintes cinco critérios mínimos para uma quarentena (muitas vezes disponíveis em pesquisas domiciliares ou dados de censos):

  • Acesso à água potável em casa;
  • Saneamento adequado em casa;
  • Fonte confiável de energia;
  • Acesso à tecnologia de informação ou comunicação;
  • Ter uma fonte permanente de energia ou poupança.

Se os primeiros três critérios não forem cumpridos, quase todos os membros da família teriam que sair de casa diariamente para lugares onde há aglomerações, como torneiras comunitárias ou instalações sanitárias públicas.

Mesmo que essas condições básicas existam nos lares, isso não coloca comida na mesa. As famílias que só compram suprimentos quando recebem algum dinheiro teriam dificuldades para ficar em isolamento. Como observado em outros contextos, a desobediência e a agitação social podem acontecer rapidamente se a quarentena levar as pessoas ao desespero.

Como a decisão de colocar um país ou uma região inteira em quarentena acarreta não só em altos custos econômicos, mas também sociais, legisladores devem considerar se tais políticas são viáveis. Uma maneira de fazer essa avaliação é adotado o índice de facilidade de quarentena. Usando os critérios citados acima, avaliamos a situação em Moçambique.

Facilidade reflete desigualdade

Com base na amostra de 10% do censo habitacional e populacional de Moçambique de 2017, consideramos os cinco critérios seguintes.

Três são os mesmos citados na lista acima: acesso à água potável, saneamento adequado e fornecimento de energia. Os outros dois foram adaptados: ter um telefone em casa e ter um membro empregado na família.

Definimos a família como “pronta para a quarentena” se todos os cinco critérios forem cumpridos e “parcialmente pronta” se três critérios estiverem em prática, ou seja, eles têm os serviços básicos para permanecerem em casa.

De acordo com o índice, só 6% das famílias moçambicanas poderiam passar pelo isolamento — 16% delas em áreas urbanas e apenas 1% em zonas rurais.

No total, 13% das famílias estariam parcialmente prontas a entrarem em isolamento, o que significa que teriam acesso a serviços básicos, mas provavelmente não teriam renda ou poupança suficientes.

Nos assentamentos urbanos, apenas um terço das famílias estão prontas para a quarentena em termos de serviços básicos. Para eles, as restrições seriam viáveis apenas por um período, desde que algumas medidas adicionais de segurança fossem tomadas, como recebimento de auxílio e alimentação.

Analisando diferentes regiões do país, o grau de facilidade reflete os níveis de desigualdade encontrados também nas pesquisas nacionais de pobreza. Nas regiões do norte do país, menos da metade das famílias apresentam possibilidade parcial de enfrentarem o isolamento.

Já o sul é a região menos carente, portanto a mais “pronta”. No entanto, na capital Maputo, localizada no sul do país, menos de 40% dos lares estão totalmente prontos para passar por uma quarentena.

As alternativas

Ao invés de replicar totalmente as polícias aplicadas em países de renda mais alta, recomendamos alternativas práticas para um isolamento completo.

Embora essas medidas devam ser analisadas por região, de preferência com o envolvimento da comunidade, parte dessas práticas deve envolver testes e rastreamento intensivo para identificar os focos do vírus, como no Vietnã, bem como medidas de prevenção extensivas.

Mesmo que uma forma mais leve da quarentena seja imposta, programas de proteção social de larga escala (como fornecimento de auxílio financeiro) e expansão dos serviços básicos (como estações móveis de água potável) seriam necessários para evitar uma catástrofe maior ainda.

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