Entenda o que mudou na China dos Jogos Olímpicos 2008 para estes Jogos de Inverno

O país tornou-se mais beligerante, o governo ampliou a repressão e a economia cresceu até o que pode ter sido o limite

A partir da próxima sexta-feira (4), a China sediará os Jogos Olímpicos de Inverno Beijing 2022. Desde a última vez que foi palco de um evento dessa magnitude, nos Jogos Olímpicos Beijing 2008, muita coisa mudou no país. A China de hoje é mais rica, mais beligerante e com um poder militar incomparavelmente maior. O evento seria o palco perfeito para o país ampliar sua influência global, não fosse um problema que desafia o governo local e que há alguns anos era inimaginável: a retração da economia. As informações são da agência Associated Press.

Em 2008, a China ainda batalhava para superar o Japão como segunda maior economia do mundo. De lá para cá, a economia chinesa cresceu três vezes e ambicionou até se tornar a maior do mundo. Já o Partido Comunista Chinês (PCC) passou a usar a riqueza para se tornar uma “potência tecnológica”, enquanto as forças armadas chinesas assumiram um investimento maior que o de qualquer outro país que não os EUA.

“[Os Jogos de] 2008 foram um ponto de virada”, diz Jean-Pierre Cabestan, especialista em política chinesa da Universidade Batista de Hong Kong. “Esse foi o começo da assertividade da China”.

Parque Olímpico dos Jogos de Inverno Beijing 2022 (Foto: Tracy Hunter/Unsplash)

O marco da retomada chinesa veio em 2012, com a chegada ao poder do presidente Xi Jinping. Sob o governo dele, o PCC aumentou a repressão à oposição e se fortaleceu como gestor do país com base em uma série de diretrizes autoritárias. Entre elas, o severo controle do conteúdo publicado na internet, a vigilância tecnológica estatal e a dura repressão imposta contra qualquer ideia que Beijing classifique como “ameaça à segurança nacional“.

De acordo com Cabestan, a China, que aproximadamente uma década atrás parecia “mais aberta ao mundo exterior”, é agora “muito mais paranoica”.

Essa “paranoia” se justifica, segundo Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Beijing. Para ele, a China precisa se defender de ataques como a guerra tarifária lançada pelo então presidente norte-americano Donald Trump, em 2018, as restrições ao acesso à tecnologia dos EUA, e as recentes alianças militares envolvendo Japão, Austrália e outros governos vizinhos contrários às reivindicações chinesas no Mar da China Meridional.

No meio disso surge Taiwan, que luta para ter sua independência reconhecida internacionalmente, enquanto é tratada por Beijing como parte do seu território. As relações diplomáticas entre Taipé e o Ocidente têm aumentado gradualmente, sendo Washington o maior aliado da ilha, embora não a reconheça formalmente como nação soberana. A reação da China é belicista, com incursões aéreas frequentes e a ameaça constante de um conflito, além de sanções impostas a qualquer país que ouse tratar Taiwan como nação independente.

“Você pode ver que a China é forçada pelos Estados Unidos e seus aliados, como Austrália, Japão e Grã-Bretanha, a fazê-lo”, disse Shi. “Se há um relacionamento ruim entre a China e outro país, é porque o outro país prejudica a China”.

Pujança econômica

Nenhuma mudança ficou tão clara na China nos últimos 14 anos quanto a da economia. Os Jogos Olímpicos de 2008 serviram para apresentar o país ao mundo, com um investimento de US$ 43 bilhões que fez de Beijing uma cidade modelo. O dinheiro gerou novas linhas de metrô e vias expressas e permitiu a construção do opulento Estádio Nacional, popular Ninho do Pássaro, que será novamente usado nos Jogos de Inverno de fevereiro.

Ninho do Pássaro: ponto em comum entre Beijing 2008 e Beijing 2022 (Foto: Wikimedia Commons)

Entretanto, desde que sediou os Jogos Olímpicos mais caros da historia, a China viu o vertiginoso crescimento econômico ser interrompido em meio à pandemia de Covid-19. E o que seria o principal cartão de visitas para o mundo, a pujança econômica, é um dos maiores problemas do país asiático em 2022. A economia cresceu robustos 8,1 % em 2021, mas o crescimento no último trimestre caiu 4% em relação ao ano anterior.

O setor imobiliário, uma das forças motrizes da economia chinesa, sofre com o endividamento de suas maiores empresas; a escassez energética assombra a indústria local, ainda excessivamente dependente do carvão, enquanto o país luta para reduzir a poluição a níveis aceitáveis. Tudo isso enquanto o governo estuda medidas para reduzir a desigualdade social e fazer valer o conceito da “prosperidade comum“.

Robert Z. Aliber, professor aposentado da Booth School of Business, da Universidade de Chicago, disse no final de 2021 que “a economia da China está atingindo um grande muro”. À época, ele citou justamente o colapso do setor imobiliário para prever uma recessão que poderia se estender por até uma década, antevendo também que o crescimento do PIB dificilmente ultrapassará 2%. E o pior: em alguns anos, poderá se tornar negativo.

Dessa forma, quando as delegações de todo o mundo desembarcarem na China para os Jogos de Inverno, o cenário será um pouco diferente daquele que Beijing imaginava quando conquistou o direito de sediar o evento, em julho de 2015. “A estabilidade econômica é o principal foco em 2022”, resume Tommy Wu, da agência Oxford Economics.

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