Imprensa chinesa segue cartilha do governo para retratar invasão na Ucrânia

Beijing tenta estabelecer a narrativa de que cumpre papel de mediador no conflito, sem tirar de Moscou o direito de defender seus interesses

Sob o olhar atento de Beijing, a mídia estatal e as redes sociais chinesas têm seguido uma rígida cartilha na cobertura da guerra na Ucrânia. O controle estatal da informação que chega aos cidadãos chineses é parte do esforço da China para difundir a ideia de que é um mediador no conflito, ao mesmo tempo em que preserva o discurso de que a Rússia tem o direito de defender seus interesses. As informações são da rede Voice of America (VOA).

Um exemplo de como funciona a máquina informativa de Beijing, que se sobrepõe à imprensa tradicional, ocorreu na semana passada. Uma fala da porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, na qual ela pediu o cessar-fogo no leste europeu durante coletiva de imprensa, foi editada pelo site estatal China Central Television. “Se você vê duas pessoas discutindo e prestes a brigar, você lhes dá armas ou primeiro as ajuda a resolver e descobrir o que aconteceu antes? Acho que o conceito é muito simples”.

A declaração da autoridade foi parar na rede social WeChat, acumulando quase 20 mil curtidas. A migração da mídia tradicional para as redes sociais é uma demonstração típica de como as notícias relacionadas ao conflito fluíram na China nos últimos dias, dizem analistas.

Idoso chinês lê seu jornal em uma praça de Beijing (Foto: Unsplash/Divulgação)

Assim como o Kremlin, que aboliu a palavra “invasão” para definir o que está acontecendo, a China se refere ao conflito como “operação militar especial“. Especialistas dizem que a imprensa local obedece ordens específicas sobre como deve ser a narrativa da guerra. Já no primeiro dia de combates, a cartilha do governo orientou os veículos a não darem notícias desvantajosas para Moscou.

Os analistas lembram que regulamentação da cobertura sobre a incursão em território ucraniano não é novidade na China, que tem controle da mídia desde o final dos anos 1990, período em que a internet se tornou uma ferramenta de massa. O governo bloqueou sites, ordenou a remoção de conteúdos e pediu à grande mídia que cobrisse histórias de acordo com diretrizes rígidas para manter a ordem social. Tudo para sustentar a confiança da nação na liderança do Partido Comunista Chinês (PCC).

O controle nas mídias sociais age como uma cortina de fumaça, impedindo qualquer usuário de falar sobre organização de protestos relacionados à guerra ou de qualquer outra causa. Postagens que incluam comentários vulgares e sexuais sobre mulheres ucranianas também são bloqueados.

“O pessoal do PCC continua a gerenciar a mídia de acordo com uma estrutura fixa, como um importante impulso para a narrativa”, disse James Gomez, diretor regional do centro de estudos Asia Center, sediado em Bangkok.

Segundo ele, houve uma fragmentação com a ascensão das mídias sociais, especialmente na China. “Essas narrativas estão sendo divulgadas por meio de novas plataformas, como as mídias sociais. São as mesmas notícias, mas apenas consumidas em diferentes plataformas e tamanhos de mordida diferentes,” acrescentou.

Mediação

A mídia vem cumprindo o papel de firmar a China em uma posição de “neutralidade” no conflito, bem como o de minimizar a “importância” da história da Ucrânia, mudando o foco para questões domésticas, avalia Alexander Vuving, professor do Centro Daniel K. Inouye Ásia-Pacífico para Estudos de Segurança, no Havaí.

Para o especialista, a relação entre Beijing e Moscou ficou mais estreita no ano passado. Porém, diante desse incidente, a China se posicionou nesta semana como um mediador entre os países em guerra, em vez de se apresentar como um apoiador de Moscou.

A neutralidade chinesa já havia sido manifestada quando o governo local afirmou que não participará das sanções a Moscou e manterá relações normais com os dois países em guerra.

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