Vencedor do Nobel da Paz é condenado a dez anos de prisão: “Vingança do Estado”

ONG de direitos humanos classifica sentença como "ultrajante", e grupo de dissidentes no Brasil fala em "falência legal" em Belarus

O ativista belarusso Ales Bialiatski, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2022 e hoje um preso político, foi condenado a dez anos de prisão em Belarus. A Justiça local também sentenciou outras três pessoas ligadas à organização de direitos humanos Viasna, na qual os quatro atuavam e que anunciou os vereditos.

Além de Bialiastki, foram condenados Valentin Stefanovych, cuja sentença é de nove anos de prisão, e Uladzimir Labkovich, sete anos de prisão. O quarto réu, Zmitser Salauyo, foi julgado à revelia, com pena estabelecida de oito anos de prisão.

“Essas sentenças são ultrajantes”, declarou Alyaksei Kolchyn, conselheiro da ONG. “Se eles fossem condenados a um ano de prisão, ainda seriam termos ultrajantes, que são uma punição por atividades absolutamente legítimas e legais de direitos humanos nas quais eles estiveram envolvidos durante toda a vida. Esta é a vingança do Estado. E não importa quantos anos eles deram”.

O belarusso Ales Bialiatski, ganhador do Nobel da Paz em 2022 (Foto: WikiCommons)

Pavel Sapelka, advogado e também conselheiro da ONG, minimizou o fato de que a corte não atendeu ao pedido de pena máxima feito pela promotoria, que era de 12 anos. “Isso não significa nada. E nada significará também o fato de que o recurso reduzirá a punição, porque a única solução justa é a reivindicação e restauração dos direitos violados e a plena reabilitação de nossos colegas”, declarou.

De acordo com a Viasna, os condenados receberam a sentença “com um sorriso no rosto”. “Pela minha experiência e observação pessoal, posso dizer com certeza que todos ficaram orgulhosos de ouvir sua sentença. Acho que todos pareciam muito dignos. Espero que não tenham ficado sentados enquanto foram sentenciados”, disse Alena Maslyukova, membro da ONG.

As condenações levaram a uma manifestação de repúdio também da líder democrática Sviatlana Tsikhanouskaya, que fugiu de Belarus e também foi julgada e sentenciada pela Justiça local por fazer oposição ao ditador Alexander Lukashenko.

“Convoco a comunidade internacional a se juntar à campanha de solidariedade com o defensor dos direitos humanos Ales Bialiatski — #freeales. Por favor, apoie-nos organizando eventos e fazendo declarações. O regime quer silenciar Ales, então temos que garantir que seu nome seja ouvido ainda mais alto!”, disse ela no Twitter.

A oposição belarussa no Brasil

No Brasil, o grupo Embaixada Popular de Belarus, que faz oposição a Lukashenko e apoia dissidentes em todo o mundo, se manifestou. “A condenação de Ales Bialiatski mais uma vez mostra a falência legal em Belarus e a covardia do regime”, disse Volha Yermalayeva Franco, representante da entidade

A ativista ainda citou supostas irregularidades jurídicas registradas durante o processo. “No seu último discurso no julgamento, Bialiatski apontou que nem lhe deram a oportunidade de conhecer todos os 284 volumes do chamado processo penal. E o tribunal se recusou a usar o belarusso no julgamento. Bialiatski fala belarusso e deve ter o direito de ser atendido em qualquer instituição do país nessa língua, que é oficial em Belarus”.

Segundo ela, “Bialiatski é a consciência do povo belarusso”, e é por causa das “atividades de defesa de direitos humanos que ele é perseguido”.

Volha também pediu maior apoio internacional à luta contra a ditadura de Lukashenko. “Hoje, quase três anos depois das últimas eleições fraudulentas que deram início aos protestos mais numerosos na história do país e à repressão mais brutal, é importante lembrar ao mundo que a luta continua, e que a Belarus democrática precisa de apoio internacional para derrubar Lukashenko, que além de reprimir o próprio povo agora colabora com Putin na invasão da Ucrânia“.

ONG perseguida

Proibida de funcionar em 2003, já durante o repressor regime de Lukashenko, a Viasna teve importante papel no monitoramento das eleições presidenciais de 2001, que levaram a protestos populares sob a alegação de que fraudes permitiram a reeleição do ditador. Mesmo ilegal, a ONG continuou a funcionar, tendo como principal função a defesa de presos políticos.

Já Bialiatski foi preso pela primeira vez em 2011, lbertado e voltou a ser detido em 2021, sob as acusações de contrabando e evasão fiscal. Até novembro do ano passado, estava preso sem sequer ter sido alvo de uma acusação formal. Ele recebeu o Nobel da Paz pelo “trabalho destemido em promover os direitos humanos no país”, segundo anúncio do comitê do prêmio.

Em outubro, um grupo de especialistas em direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) instou o governo belarusso a libertá-lo. Três relatoras classificaram a prisão como “uma política para silenciar os defensores de direitos humanos” e “erradicar o espaço civil para manifestações no país”. Elas criticaram a “séria lacuna na prestação de contas por grandes violações de direitos humanos em Belarus”.

Um abaixo-assinado também foi aberto na internet para pedir a libertação do ativista. Para assinar, acesse a página neste link. “Apelamos pela libertação imediata e incondicional de Ales Bialiatski e de todos os outros presos políticos do regime belarusso. Apelamos a todas as autoridades da República de Belarus para acabar imediatamente com a intimidação, perseguição e prisão de manifestantes pacíficos, ativistas da oposição, ativistas de direitos humanos, estudantes e representantes da mídia”, diz o texto.

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente Natalya Eismont chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos populares tomaram as ruas do país após o controverso pleito, as autoridades belarussas têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. A organização de direitos humanos Viasna diz que há atualmente quase de 1,5 mil prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”. Em determinado momento, o presidente recomendou “vodka e sauna” para tratar a doença.

A violenta repressão imposta por Lukashenko levou muitos oposicionistas a deixarem o país. Aqueles que não fugiram são perseguidos pelas autoridades e invariavelmente presos. É o caso de Sergei Tikhanovsky, que cumpre uma pena de quase 20 anos de prisão sob acusações consideradas politicamente motivadas. Ele é marido de Sviatlana Tsikhanouskaia, candidata derrotada na eleição presidencial e hoje exilada.

Já o distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliada da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.

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