Nova lei dá à KGB de Belarus o poder de monitorar todo o conteúdo de internet no país

Sites e operadoras de telefonia terão que se conectar a um sistema estatal que, na prática, põe fim à privacidade online

A privacidade do cidadão belarusso na internet está com os dias contados. Uma lei assinada na semana passada pelo presidente Alexander Lukashenko concede à KGB, agência de segurança e inteligência doméstica de Belarus, o poder de vigiar praticamente todas as atividades online no país. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

A lei vinha sendo debatida desde o ano passado, mas até agora não havia um mecanismo capaz de colocá-la em prática. Então, o governo desenvolveu um dispositivo ao qual todos os sites e operadoras de telefonia devem se conectar.

O sistema dará às autoridades locais acesso ao conteúdo publicado na internet, e o texto vago da lei concede ao regime alcance praticamente ilimitado. Estão sujeitos à nova lei os dados pessoais, as mensagens publicadas em fóruns e aplicativos, os textos em sites de relacionamento, as informações bancárias…

“Isso significa que, se a vigilância anterior por meio de recursos e bancos de dados da internet parecia uma ameaça em potencial, agora está claro como eles farão isso na prática”, diz relatório publicado em conjunto por dois grupos que monitoram a liberdade online em Belarus, Netobservatory e Za BYnet.

O presidente Alexander Lukashenko em visita a Vladimir Putin, Moscou, setembro de 2020 (Foto: Kremlin)

O sistema ainda não está em operação e não existe uma data especifica para que isso aconteça. Porém, nada na legislação impede o governo de buscar dados anteriores à data em que a lei entrou em vigor. Ou seja, a liberdade e a privacidade online no país já estão comprometidas.

Teoricamente, o governo só terá autorização para investigar as pegadas digitais de uma pessoa que venha a ser acusada de um crime e esteja sob investigação. Mais uma vez, no entanto, isso não parece limitar o alcance do regime, frequentemente acusado de imputar falsos crimes para perseguir opositores.

E não são apenas as empresas nacionais que se sujeitarão à nova regra. Como o texto legal não é específico nesse sentido, há uma tendência de que empresas estrangeiras também sejam forçadas a se conectar ao sistema espião. Nesse caso, entretanto, o histórico indica forte resistência, o que já ocorre na Rússia e levou ao boqueio de muitos sites ocidentais que não se curvaram ao regime de Vladimir Putin.

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente, Natalya Eismont, chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos começaram, após o controverso pleito, as autoridades do país têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. Ativistas de direitos humanos dizem que mais de 800 pessoas são atualmente prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”. Em determinado momento, o presidente recomendou “vodka e sauna” para tratar a doença.

O distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliado da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.

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