Chefe do Wagner Group amplia lista de desafetos de Putin mortos misteriosamente na Rússia

Políticos, executivos e jornalistas que ousaram se posicionar contra o Kremlin tiveram destinos trágicos, embora uns poucos tenham conseguido sobreviver

Na terça-feira (23), um jato executivo da Embraer com dez pessoas a bordo, sete passageiros e três tripulantes, caiu nas proximidades da cidade de Tver, norte da Rússia. Na lista de passageiros constam os nomes do empresário Evgeny Prigozhin, chefe do Wagner Group, e do braço direito dele, Dmitriy ‘Wagner’ Utkin, cujo apelido serviu para batizar a organização. As causas do desastre aéreo não estão claras e talvez nunca estejam. Assim, a violenta morte do antigo aliado, que ultimamente se convertera em um dos mais implacáveis críticos do presidente Vladimir Putin, tende a engrossar a lista de indivíduos poderosos e não alinhados com o Kremlin que perderam suas vidas de forma misteriosa.

No caso do desastre aéreo desta terça, os primeiros indícios sugerem que a queda do avião não foi acidental. Através de seu canal no Telegram, o Wagner Group não hesitou em dizer que o chefe da organização paramilitar privada morreu “como resultado de atos de traidores da Rússia”, segundo reproduziu em seu Twitter o jornalista investigativo Christo Grozev.

Já Igor Sushko, membro do think tank norte-americano Wind of Change, diz que testemunhas ouviram duas grandes explosões antes de o nariz do avião pegar fogo. Também no Twitter, ele reproduziu um dos muitos vídeos que circulam na internet e que supostamente mostram o jato caindo.

Síndrome da morte súbita

Em dezembro de 2022, a jornalista norte-americana Elaine Godfrey publicou um artigo na revista The Atlantic no qual listou diversas mortes suspeitas de potenciais desafetos do líder russo ocorridas naquele ano, já com a guerra da Ucrânia em andamento. Classificou a sequência de incidentes como “síndrome da morte súbita”.

“Cerca de duas dúzias de russos notáveis morreram em 2022 de maneiras misteriosas, algumas horrivelmente”, diz a jornalista no artigo, citando duas circunstâncias que se encaixam perfeitamente no episódio envolvendo Prigozhin.

Pouco antes da publicação do texto, o empresário Pavel Antov havia sido encontrado morto em um hotel na Índia dois dias após a morte de um de seus companheiros de viagem no mesmo local. Nas palavras de Godfrey, Antov “teria expressado uma perigosa falta de entusiasmo pela guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia“.

Já Leonid Shulman e Alexander Tyulakov foram encontrados mortos com notas de suicídio no início do ano passado. Depois, no período de um mês, mais três executivos russos, Vasily Melnikov, Vladislav Avayev e Sergey Protosenya, igualmente morreram em aparentes “suicídios”.

O presidente russo Vladimir Putin, de preto, e o empresário Evgeny Prigozhin (à dir.) (Foto: WikiCommons)

Um caso que atraiu atenção global, em maio de 2022, foi o de Andrei Krukovsky, proprietário de um resort em Sochi cujo corpo foi localizado no sopé de um penhasco. Uma semana depois, Aleksandr Subbotin, gerente de uma empresa de gás russa, morreu na casa de um xamã de Moscou, após ter sido supostamente intoxicado com veneno de sapo.

O artigo cita outros episódios de 2022: Yuri Voronov, encontrado boiando em sua piscina no subúrbio de São Petersburgo com um ferimento de bala na cabeça em julho; Dan Rapoport, crítico de Putin nascido na Letônia, que aparentemente caiu da janela de seu apartamento em Washington, a um quilômetro e meio da Casa Branca, em agosto; Ravil Maganov, presidente de uma empresa petrolífera russa, que caiu de uma janela de seis andares em Moscou; o diretor de TI Grigory Kochenov, que caiu de uma sacada; e um magnata imobiliário russo que caiu fatalmente em um lance de escadas.

“A onda de mortes deste ano, tão descarada em seu número e método que sugere uma falta de preocupação com a negação plausível, ou mesmo implausível, é possivelmente a maneira de Putin alertar as elites russas de que ele é aquele polvo mortal”, diz o artigo. “O objetivo de eliminar os críticos, afinal, não é necessariamente eliminar as críticas. É para lembrar aos críticos, com o máximo de talento possível, qual pode ser o preço de expressar essa crítica.”

Depois da publicação do texto, ao menos mais um caso ocorreu. Pyotr Kucherenko, vice-ministro da Ciência e Educação Superior, morreu no dia 20 de maio deste ano após adoecer no avião quando retornava de uma viagem a Cuba.

Crítico da guerra na Ucrânia, que classificou como “invasão fascista”, Kucherenko chegou a dizer que temia pela própria segurança, mas não tinha como deixar o país por ser uma figura importante do governo.

“Tiram nossos passaportes. E não existe um mundo onde eles agora ficarão felizes com o vice-ministro russo após esta invasão fascista”, disse o político em conversa com Roman Super, um jornalista que deixou a Rússia pouco após o início do conflito.

Envenenamento, o método favorito

Ao sugerir que o governo russo poderia estar por trás das mortes, a jornalista destacou ainda casos notórios de dissidentes envenenados, como o oposicionista político Alexei Navalny, que sobreviveu, e o desertor dos serviços de segurança russos Alexander Litvinenko, morto em 2006 por envenenamento com polônio, um elemento radioativo altamente tóxico.

A lista de potenciais vítimas de Putin, porém, não se resume às citadas no artigo. Há muitos outros casos, tanto anteriores e quanto posteriores. Um dos mais famosos, os envenenamentos do ex-espião Sergei Skripal e da filha dele, Yulia, ocorridos em Salisbury, na Inglaterra, em 2018.

Skripal morreu envenenado por novichok, uma substância neurotóxica desenvolvida pela União Soviética nas décadas de 1970 e 1980. Yulia e um agente de polícia britânico, Nick Bailey, também foram contaminados, mas conseguiram se recuperar.

Um método bem menos discreto foi usado contra Boris Nemtsov. Político em ascensão e crítico de Putin, foi baleado perto do Kremlin em 2015, um ano após manifestar forte oposição à presença russa em Donbass. A ativista de direitos humanos Natália Estemirova também foi morta a tiros, em 2009, assim como a jornalista Ana Politkovskaya, assassinada em 2006. O líder do partido anti-Kremlin Rússia Liberal Sergei Yushenkov foi assassinado da mesma maneira em 2003.

Mas o envenenamento é mesmo o método mais usual. Vladimir Kara-Murza, um ativista da oposição russa que continua vivendo no país e recentemente foi condenado a 25 anos de prisão, diz que foi vítima de duas tentativas de assassinato por envenenamento, em 2015 e 2017. Sobreviveu, assim como Navalny, mas tende a ficar encarcerado ao menos enquanto Putin estiver no poder.

Outro que sobreviveu foi Viktor Yushchenko, que em 2004 concorreu à presidência da Ucrânia contra o primeiro-ministro pró-Moscou Viktor Yanukovich. Ele foi envenenado com dioxina e ficou desfigurado, sendo eleito posteriormente.

Alexander Perepilichny, que se exilou no Reino Unido após denunciar um esquema de lavagem de dinheiro na elite russa, não teve a mesma sorte de Yushchenko, Kara-Murza e Navalny. Ele morreu de forma repentina em 2012, depois de sair para correr. De acordo com a agência Reuters, as autoridades britânicas inicialmente descartaram a possibilidade de crime, mas em audiência pré-inquérito surgiu a informação de que vestígios de um veneno raro e mortal foram encontrados no estômago da vítima.

Três novos casos vieram à tona recentemente, de cidadãs russas críticas a Putin que atualmente vivem no exterior e muito provavelmente foram envenenadas por agentes a serviço do Kremlin. A revelação foi feita pelo site The Insider, que conduziu uma investigação para apurar as ocorrências.

Embora não seja possível afirmar que de fato houve três tentativas de assassinato, todos os indícios sugerem que as jornalistas Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan e a ativista Natalia Arno foram envenenadas. Em comum, o fato de terem se colocado contra a guerra, inclusive expondo abusos cometidos pelo governo russo na Ucrânia.

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