Da KGB ao FSB: conheça as agências de segurança que fazem o serviço sujo para Putin dentro e fora da Rússia

Golpe de Estado, prisões arbitrárias, interferência em eleições no estrangeiro, envenenamento, acusações fabricadas... o sistema de segurança do Kremlin tem um longo histórico de atividades escusas

Por André Amaral

O Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, mais conhecido pela temida sigla KGB, o antigo Comitê de Segurança do Estado da União Soviética, era um gigante com tentáculos em todos os cantos da vida soviética. Com o colapso da URSS em 1991, o serviço de inteligência foi fragmentado em várias agências, cada uma encarregada de um papel específico na manutenção da segurança do Estado russo. Trata-se da gênese do que hoje é o sofisticado aparato de contraterrorismo, contrainteligência, segurança interna e monitoramento de ameaças externas de Moscou.

Vladimir Putin é amplamente reconhecido como a figura mais notória a emergir do serviço secreto russo. Ingressando na KGB por volta de 1975, aos 22 ou 23 anos, dedicou-se principalmente a operações de inteligência estrangeira e contrainteligência. Análises recentes de seu tempo como oficial da KGB destacam sua reputação como alguém digno, sério e confiável, embora não necessariamente percebido como um futuro líder em ascensão, segundo reportagem do site independente The Moscow Times.

Putin: oposição calada, poder assegurado (Foto: Presidential Executive Office of Russia/WikiCommons)

Porém, tudo começou a mudar justamente no ano da dissolução da URSS e do estabelecimento da Comunidade dos Estados Independentes (CEI). A partir dali, a ascensão do ex-agente secreto foi rápida como um míssil hipersônico. No final daquela década, Putin já figurava no primeiro escalão político do país, ostentando os poderes de primeiro-ministro durante o governo Boris Yeltsin.

Sob seu governo, as agências de segurança russas desempenham um papel crucial em sustentar o poder de Putin no Kremlin, tanto dentro como fora do país. Algumas manifestações dessa influência incluem:

Repressão interna: As agências de segurança russas enfrentaram acusações de reprimir a dissidência interna e a sociedade civil. Por exemplo, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas), entre fevereiro de 2022 e junho de 2023, mais de 20 mil pessoas foram detidas por participarem de protestos, que em sua maioria foram pacíficos, contra a guerra. Houve relatos de tortura e maus-tratos durante a detenção, incluindo estupro e outas violências sexuais, tudo perpetrado por agentes da aplicação da lei contra os manifestantes antiguerra.

Repressão transnacional: segundo a ONG Freedom House, o governo russo conduz atividades de repressão transnacional agressivas no exterior. Sua campanha, que frequentemente recorre ao assassinato como ferramenta, visa ex-insiders – indivíduos que antes faziam parte de uma organização, grupo ou sistema, mas que posteriormente se afastaram ou foram excluídos – e outros percebidos como ameaças à segurança do regime. Como o envenenamento de Sergei Skripal e sua filha Yulia no Reino Unido em 2018, no qual o Kremlin foi acusado de envolvimento.

Espionagem: São frequentes os casos de espionagem e interferência em outras nações atribuídos a agências de segurança e mesmo ao suposto corpo diplomático da Rússia. O Brasil esteve entre os alvos, com ao menos quatro espiões russos que ou atuaram no país ou usaram identidades brasileiras em suas missões no exterior.

As agências por trás disso

No cenário doméstico

FSB (Serviço Federal de Segurança): Sucessor direto da KGB, o FSB é o principal agente de segurança interna da Rússia. Sua missão inclui contraespionagem, combate ao terrorismo, crime organizado e proteção da fronteira. O FSB também é responsável pela guarda de Putin e outros dignitários.

Durante partida entre Rússia e Polônia pela Eurocopa 2012, torcedor polonês protestou contra Putin e o legado da KGB (Foto: WikiCommons)

Um caso emblemático de ação do FSB ocorreu em julho de 2020, envolvendo Ivan Safronov, um ex-jornalista que se tornou assessor do diretor da agência espacial russa Roscosmos, preso sob acusações de traição. Ele foi acusado de repassar às inteligências da República Tcheca e da Alemanha dados sobre a venda de armas pelo governo russo na África e no Oriente Médio. No entanto, muitos colegas e observadores suspeitam que as acusações tenham sido fabricadas, considerando o caso um exemplo de repressão à liberdade de expressão, segundo a rede BBC.

FSO (Serviço Federal de Proteção): Essa agência é responsável pela segurança física de Putin, do Kremlin e de outras figuras importantes do governo. O FSO também supervisiona a segurança de instalações estratégicas e eventos importantes.

No ano de 2021, um avião da companhia aérea Ryanair, que fazia a rota de Atenas para Vilnius, foi obrigado a aterrar em Belarus devido a uma falsa ameaça de bomba. Roman Protasevich, um jornalista que se opõe ao governo belarusso, estava a bordo e foi detido pelas autoridades. O FSO foi acusado de participar no desvio da aeronave, o que resultou em sanções internacionais contra Minsk.

O jornalista Roman Protasevich na entrevista em que “confessou crimes” (Foto: Reprodução/Youtube/ONT)

GUSP (Diretoria Principal de Segurança Interna): Essa agência, subordinada ao Ministério da Defesa, é responsável pela segurança interna das Forças Armadas russas.

No cenário internacional

SVR (Serviço de Inteligência Estrangeira): O SVR é a principal agência de inteligência externa da Rússia. Sua missão inclui a coleta de inteligência sobre outros países, a realização de operações secretas e a proteção dos interesses russos no exterior.

Em uma tentativa de influenciar o resultado das eleições presidenciais dos EUA de 2016 a favor de Donald Trump, o SVR, juntamente com outras agências de inteligência russas, é acusado de interferir no processo eleitoral.

As conclusões de diversas investigações confirmaram a interferência russa nas eleições, evidenciando o impacto significativo das ações do SVR na política norte-americana e nas relações internacionais.

GRU (Diretório Principal de Inteligência): Essa agência, subordinada ao Estado-Maior General das Forças Armadas, é responsável pela coleta de inteligência militar. O GRU também é conhecido por realizar operações clandestinas e de sabotagem.

Uma divisão do GRU, a Unidade 29155, é famosa por realizar operações de sabotagem, subversão e assassinato. Um desses casos, segundo a rede BBC, ocorreu em outubro de 2016, quando foi acusada de planejar um golpe de Estado em Montenegro, visando assassinar o então primeiro-ministro Milo Djukanovic. Vários cidadãos russos foram presos e condenados por seu envolvimento no caso.

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