Dois anos após endurecer repressão, Rússia atingiu mais de 20 mil manifestantes antiguerra

Em vigor desde o início do conflito, lei pune quem 'desacreditar as Forças Armadas' e serviu para eliminar os protestos pacíficos

Em março de 2022, com a guerra da Ucrânia em seu primeiro mês, a Rússia concentrou a repressão estatal nos manifestantes antiguerra. Para tanto, o governo estabeleceu uma lei que prevê penas de até 15 anos de prisão para aqueles que se manifestam contra o conflito. Dois anos após o texto entrar em vigor, mais de 20 mil pessoas foram atingidas, segundo a ONG Anistia Internacional.

A severa legislação estabelece penas por “desacreditar as Forças Armadas”, uma forma de punir aqueles que contestam a agressão russa à Ucrânia. A punição mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o Exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra.

Nestes dois anos de lei em vigor, os protestos populares foram gradativamente diminuindo, e atualmente é raro ver alguém nas ruas portando cartazes com pedido de paz ou críticas ao Kremlin.

A jornalista Marina Ovsyannikova protesta contra a guerra na Ucrânia (Foto: Instagram)

“A repressão do governo russo à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de expressão visa eliminar os protestos pacíficos”, diz a Anistia. “A invasão da Ucrânia pela Rússia remodelou drasticamente o espaço cívico de protesto na Rússia.”

Um momento de excepcional rebeldia foi registrado na última sexta-feira (1º), quando uma multidão se reuniu para a cerimônia fúnebre do ativista Alexei Navalny, rival mais proeminente do presidente Vladimir Putin. Morto no dia 16 de fevereiro, ele foi capaz de um ato final de insurreição ao tirar muitos russos de casa para enfrentar o policiamento reforçado.

Gritos de “Putin é um assassino” e “não à guerra” foram ouvidos conforme as pessoas caminhavam entre as forças de segurança rumo ao cemitério Borisovsky, onde o corpo do ativista foi sepultado. O Kremlin, porém, não deixou barato. A ONG OVD-Info, que monitora a repressão no país, registrou 113 detenções em 19 cidades no dia 1º de março.

Mais uma sentença

Uma das vítimas mais recentes da repressão ao movimento antiguerra foi o ativista dos direitos humanos Oleg Orlov, condenado na semana passada a dois anos e meio de prisão por se posicionar contra o conflito. E a pena ainda pode aumentar, vez que a promotoria recorreu por considerar a sentença leve.

Copresidente da ONG Memorial, a mais antiga organização ligada aos direitos civis do país e que estava em funcionamento desde os tempos da antiga União Soviética, ele não se deixou intimidar pela sentença. “Não me arrependo de nada”, disse Orlov no tribunal, segundo a agência Associated Press (AP).

A punição gerou manifestação da embaixadora dos EUA, Lynne Tracy, que inclusive havia aproveitado sua imunidade diplomática para depositar flores em um monumento por ocasião da morte de Navalny, um ato que para os cidadãos russos significaria o risco de detenção.

“Estou alarmada e preocupada com o resultado de hoje. Oleg Orlov lutou pessoalmente pelos direitos dos russos durante mais de 45 anos”, disse Tracy em comunicado divulgado após o veredito. “Em épocas anteriores, seus esforços foram premiados nos mais altos níveis. Na Rússia de hoje, ele está preso por causa deles.”

Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado, também assinou um comunicado dizendo que “os Estados Unidos condenam o sentenciamento injusto hoje pela Rússia de Oleg Orlov.” O texto ainda afirma que, “juntamente com os nossos aliados e parceiros, os Estados Unidos continuarão a insistir que as autoridades russas libertem imediatamente os mais de 680 presos políticos que continuam detidos.”

Abaixo-assinado

Aproveitando a marca de dois anos de existência da lei, a Anistia Internacional lançou um abaixo-assinado cujo objetivo é aumentar a pressão sobre Moscou para revogar a lei e libertar os presos.

“As leis de censura de guerra da Rússia violam os direitos humanos. Temos de agir em solidariedade com as pessoas na Rússia que se atrevem a protestar contra a sua guerra contra a Ucrânia”, diz a petição, cujo objetivo é “exigir que as autoridades russas revoguem as leis de censura à guerra e libertem imediata e incondicionalmente todos os que foram presos apenas por protestarem contra a guerra. “

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