Empresas estrangeiras enfrentam barreiras para voltar à Rússia após sanções

Empresas enfrentam exigências financeiras e incerteza jurídica. A Renault, por exemplo, pode ter que desembolsar US$ 1,3 bilhão para recuperar seus ativos

Três anos após a invasão da Ucrânia, a Rússia impõe condições rígidas para o retorno de empresas estrangeiras que deixaram o país devido às sanções ocidentais. No caso da montadora francesa Renault, que vendeu seus ativos por um rublo em 2022, a volta pode custar 112,5 bilhões de rublos (cerca de US$ 1,3 bilhão), segundo sua antiga parceira russa, a Avtovaz. As informações são da Business Insider.

A exigência, anunciada por Maxim Sokolov, CEO da Avtovaz, destaca um cenário desafiador para empresas ocidentais que cogitam retomar suas operações na Rússia. Desde a saída da Renault, a estatal russa e a Avtovaz investiram bilhões para manter a operação. “É evidente que esses investimentos precisarão ser reembolsados de alguma forma no retorno”, afirmou Sokolov à agência TASS.

O endurecimento das condições ocorre em um momento de possível reaproximação entre Rússia e Estados Unidos. O presidente americano Donald Trump tem sinalizado disposição para retomar relações com Moscou, reacendendo discussões sobre a volta de empresas ocidentais. No entanto, o governo russo mantém uma postura inflexível. O ministro da Indústria e Comércio, Anton Alikhanov, afirmou que o país “não está esperando ninguém de braços abertos” e que empresas que partiram “terão que pagar por suas decisões”.

Concessionário Renault em São Petersburgo, Rússia (Foto: WikiCommons)
Retorno arriscado

Embora a Rússia continue sendo um mercado relevante, analistas apontam que muitas empresas hesitam em voltar devido a fatores econômicos e políticos. A economia russa sofre com alta inflação, desvalorização do rublo e taxas de juros elevadas, enquanto o governo de Vladimir Putin mantém rígido controle sobre o setor empresarial.

A saída de empresas estrangeiras desde 2022 beneficiou grupos russos que adquiriram ativos a preços reduzidos, como no caso do McDonald’s e Starbucks, rebatizados como “Tasty and that’s it” e Stars Coffee. Para especialistas, o Kremlin não tem interesse em abrir o mercado sem exigir compensações.

“Se empresas estrangeiras voltarem sem restrições, os lucros dessas empresas russas serão reduzidos e a concorrência aumentará. A Rússia quer garantir que qualquer retorno ocorra sob seus termos”, avalia David Szakonyi, professor da Universidade George Washington e especialista em economia política russa.

Além das exigências financeiras, a incerteza jurídica representa outro obstáculo. O governo russo demonstrou que pode confiscar ativos de empresas internacionais, elevando o risco para investidores. “Moscou mostrou que a proteção da propriedade empresarial e um ambiente de negócios estável são coisas do passado”, afirma Szakonyi.

Diante desse cenário, a Renault e outras multinacionais seguem cautelosas. Em resposta ao Business Insider, um porta-voz da montadora francesa afirmou que a empresa não prevê mudanças no curto prazo sobre sua posição na Rússia.

Com mais de 475 empresas estrangeiras tendo encerrado suas operações na Rússia desde 2022, o futuro dos negócios ocidentais no país segue incerto, mesmo diante de possíveis mudanças na geopolítica global.

Êxodo não foi total

Embora mais de mil empresas tenham reduzido suas atividades na Rússia desde que a guerra teve início, um número significativo ainda permanece. Entre essas, as empresas chinesas são as mais presentes, com outras dos EUA, Japão, Alemanha, França e Índia continuando a fazer negócios sem se intimidarem com o conflito.

Apesar dos desafios, algumas empresas de bens de consumo permanecem na Rússia, citando a dependência dos consumidores locais de seus produtos. Nomes como Mondelez InternationalPepsiCoAuchanNestléUnileverReckitt e British American Tobacco mantêm suas operações, enquanto outras, como a Intesa Sanpaolo, enfrentam obstáculos burocráticos ao tentarem sair.

Por que isso importa?

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022, mais de mil empresas ocidentais deixaram de operar em território russo, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral. São companhias que optaram por evitar o risco de desobedecer as sanções ocidentais, ou mesmo a reação negativa da opinião pública caso continuem a lucrar no mercado russo. O levantamento foi feito pela Universidade de Yale, nos EUA.

A debandada tem prejudicado o consumidor local, privado de produtos de setores diversos, como entretenimento, tecnologia, automobilístico, vestuário e geração de energia.

No setor de alimentação, o McDonald’s vendeu seu negócio no país a um empresário russo. Ao fim de 2021, a rede tinha 847 lojas no país. Diferente do que ocorre no resto do mundo, onde habitualmente atua no sistema de franquias, 84% das lojas russas eram operadas pela própria companhia. Somado ao faturamento na Ucrânia, a operação respondia por 9% da receita global da empresa.

Loja do McDonald’s na Rússia: rede de lanchonetes vendeu seus ativos (Foto: Wikimedia Commons)

Duas importantes cervejarias da Europa, a holandesa Heineken e a dinamarquesa Carlsberg, também anunciaram a venda dos seus negócios e a saída da Rússia.

Outra decisão que causou problemas foi o fim dos serviços das companhias de cartões de crédito Mastercard e Visa.

No setor de vestuário, quem anunciou a retirada do mercado russo foi a Levi’s, sob o argumento de que quaisquer considerações comerciais “são claramente secundárias em relação ao sofrimento humano experimentado por tantos”. Nike e Adidas também suspenderam todas as operações no mercado russo. A sueca Ikea, gigante do setor de móveis, é outra que decidiu deixar a Rússia em função da guerra.

Nas áreas de entretenimento e tecnologia, alguns gigantes também optaram por suspender as vendas de produtos e serviços no país de Vladimir Putin. A Netflix interrompeu seus serviços e cancelou todos os projetos e aquisições na Rússia, enquanto WarnerDisney e Sony adiaram os lançamentos de suas novas produções no país. Já a Apple excluiu os aplicativos das empresas estatais russas de mídia RT e Sputnik e disse que não mais venderá seus produtos, como iPhones e iPads, em território russo. PanasonicMicrosoftNokiaEricsson e Samsung são outras que optaram por encerrar as operações no país.

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