Especialistas da ONU condenam o silenciamento da sociedade civil na Rússia

Repressão coordenada pelo Kremlin a grupos da sociedade civil, ativistas e imprensa tem sido "contínua e intensificada", dizem peritos da ONU

Após uma redução definida como “dramática” nas liberdades individuais na Rússia por conta da guerra na Ucrânia, especialistas em direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) condenaram nesta quarta-feira (13) a repressão contínua e intensificada a grupos da sociedade civil, ativistas e meios de comunicação pelas autoridades russas.

Embora a repressão estatal não seja novidade, desde 24 de fevereiro, data que marca o início do conflito, Moscou vem reprimindo qualquer expressão pública que esteja em desacordo com a narrativa oficial, que é de “missão de paz”. Em um apelo a Moscou, os 12 principais peritos independentes pediram ao Kremlin que pare de reprimir o espaço cívico, manifestou em seu site o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR).

“Na última década, testemunhamos uma repressão decisiva e sistemática da sociedade civil na Rússia”, disseram os especialistas. “A estigmatização de atores da sociedade civil e defensores de direitos humanos como ‘agentes estrangeiros’, seu assédio e prisão, fechamento de organizações de direitos humanos e severas restrições às liberdades de expressão, reunião pacífica e associação contribuíram ainda mais para o fechamento de um espaço cívico já encolhido”.

Protesto antiguerra na cidade russa de Yekaterimburgo (Foto: WikiCommons)

A polícia russa estaria usando “força excessiva” para deter manifestantes nos atos pacíficos em repúdio à invasão no país vizinho. Defensores dos direitos humanos têm sido humilhados e ameaçados. O trabalho daqueles que prestam assistência jurídica aos manifestantes também está comprometido, já que eles têm acesso a delegacias e tribunais negados por agentes da lei.

Com base na severa nova legislação que reprime os cidadãos que “desacreditam as forças armadas”, carimbada pelo Kremlin em março, até agora mais de 60 casos criminais foram abertos por “notícias de guerra falsas”, e pelo menos sete por “desacreditar” e “pedir obstrução” do uso do exército. Trata-se de mais uma ferramenta de censura para reprimir a oposição e silenciar os meios de comunicação não alinhados com o governo.

“Esta lei e outras restrições abrangentes à liberdade de expressão e associação na Rússia estão sendo usadas para silenciar defensores de direitos humanos, jornalistas e representantes da sociedade civil”, acrescentaram os especialistas.

Dos muitos milhares de russos que se manifestaram pacificamente contra a guerra, segundo dados trazidos pelos peritos, mais de 16 mil, incluindo defensores dos direitos humanos e jornalistas, foram detidos por participar ou trabalhar na cobertura do protestos contra a guerra.

Eles também observaram que “mais de 20 meios de comunicação pararam de operar ou suspenderam seus trabalhos no país”, incluindo o jornal Novaya Gazeta, comandado pelo ganhador do Prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov, o último canal de TV independente, Dozhd, e a rádio Echo, de Moscou.

Desde que a censura russa entrou em ação no começo de março, impondo bloqueio parcial do acesso de plataformas como o Twitter e a diversos sites informativos locais e estrangeiros no país, a Wikipédia virou uma espécie de “resistência”. Nela, os russos ainda podem acessar informações sobre a guerra sem influência da mídia estatal. Moscou também baniu Facebook Instagram após classificá-los como “extremistas”, bem como o Google após acusá-lo de censura e “terrorismo”.

Sem conexão externa

Com a debandada de marcas ocidentais do país devido a riscos de reputação e legais, incluindo o setor de tecnologia internacional, muitas acabaram desconsiderando os impactos negativos sobre os direitos humanos das pessoas deixadas para trás, na visão dos especialistas. Isso deixa ativistas e organizações da sociedade civil com pouco acesso à infraestrutura de informação e comunicação vital para seu trabalho.

“As empresas devem estar atentas aos direitos humanos em todas as suas operações e tentar ajudar os defensores russos e as organizações a evitar o isolamento completo”, disseram os especialistas.

Por que isso importa?

Na Rússia, contestar as ações do governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos.

Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”. Pela nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, eufemismo usado pelo governo para se referir à guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

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