Grécia terá sistema de vigilância focado em migrantes e considerado ilegal por ONGs

Autoridades armazenarão fotos, impressões digitais e documentos, sistema que ONG julga incompatível com direitos humanos

O governo da Grécia planeja implantar um novo programa de vigilância que inclui reconhecimento facial e armazenamento de impressões digitais em larga escala. A iniciativa gerou protestos das ONGs Human Rights Watch (HRW) e Homo Digitalis, que consideram as medidas incompatíveis com as normas internacionais que regem os direitos humanos.

O programa é financiado pela União Europeia (UE) e consiste no uso de dispositivos portáteis para coletar informações biométricas de pessoas em grande escala e compará-las com bancos de dados da polícia, do serviço de imigração e do setor privado.

“O programa ajudará a polícia grega a perseguir e assediar refugiados, requerentes de asilo e grupos minoritários”, disse Belkis Wille, pesquisador sênior de crises e conflitos da HRW. “Em um país onde a polícia frequentemente exige ver documentos sem motivo razoável, esse programa forneceria uma ferramenta tecnológica para aumentar o abuso”.

O contrato, avaliado em 4,5 milhões de euros, foi assinado no primeiro semestre de 2019 com a Intracom Telecom, uma empresa global de telecomunicações. O sistema deveria começar a operar no início de 2021, mas foi adiado para agosto devido às restrições relacionadas à Covid-19. Embora o pagamento tenha sido feito, com 75% de fundos provenientes da UE, ainda não há indícios de que o programa tenha sido iniciado.

Grécia terá sistema de vigilância focado em migrantes e contestado por ONGs
Reconhecimento facial (Foto: pixabay.com)

Dispositivos inteligentes serão usados para escanear placas de veículos, impressões digitais e rostos, dados esses que podem ser comparados com outros armazenado em 20 bases mantidas por autoridades nacionais e internacionais. O sistema excluirá as digitalizações imediatamente se não houver correspondência, mas armazenará fotografias por sete dias. Caso haja correspondência de dados, eles serão retidos por um período não especificado.

“A Grécia está divulgando o novo programa como uma maneira mais ‘eficiente’, entre outras coisas, de identificar migrantes indocumentados ou documentados de forma inadequada”, diz a HRW, citando que imigrantes e deslocados já são alvo de abusos constantes no país, quadro que tende a aumentar com o programa. “A polícia grega usa seus poderes de maneira discriminatória para atingir pessoas com base em sua raça, nacionalidade ou etnia percebida ou aparência física”.

A Homo Digitalis, sediada na Grécia, solicitou a abertura de uma investigação ao governo grego. Já a HRW alega que o sistema é ilegal, com base tanto na legislação nacional quanto da UE. “A coleta ou uso governamental de dados pessoais e confidenciais, incluindo números de placas de veículos e dados biométricos, deve estar em conformidade com os padrões internacionais de direitos humanos”, diz a entidade.

Konstantinos Kakavoulis, cofundador da Homo Digitalis, também vê irregularidade no novo sistema. “Este programa de policiamento está em conflito fundamental com a essência da dignidade humana e a proteção de direitos e liberdades fundamentais nos espaços públicos”, diz ele.

Inteligência artificial

Em setembro de 2021, a alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, chegou a pedir uma moratória global na venda e no uso de IA (inteligência artificial). Segundo ela, sistemas que usam essa tecnologia “causam um sério risco aos direitos humanos” e, por isso, devem ser mantidos fora de circulação até que políticas de proteção entrem em vigor.  

Na ocasião, a ONU publicou um relatório analisando como a IA afeta o direito das pessoas à privacidade e também à liberdade de movimento, à liberdade de expressão e ao direito de se reunirem para manifestações pacíficas.  

O relatório destaca como as tecnologias biométricas, incluindo reconhecimento facial, são cada vez mais utilizadas pelos países, organizações internacionais e empresas de tecnologia. Segundo Bachjelet, “a inteligência artificial pode ajudar as sociedades a enfrentarem os maiores desafios dos nossos tempos”, mas pode também ter um “impacto negativo e até catastrófico se for utilizada sem levar em consideração como afeta os direitos das pessoas”.

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