Lavrov aposta no ‘instinto de autopreservação’ ocidental para Rússia não ir à guerra

Segundo ministro, Moscou não tem o 'desejo nem qualquer necessidade militar, política ou econômica' de entrar em conflito com a Otan

Nos últimos meses, têm se multiplicado os alertas, sobretudo na Europa, sobre o risco de uma agressão da Rússia a países do continente, particularmente contra membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A Suécia, prestes a ingressar na aliança, chegou a recomendar que seus cidadãos fiquem de prontidão. Na Alemanha, conforme documento secreto do Ministério da Defesa, a avaliação é de que as hostilidades podem começar ainda neste ano. Já a Estônia projeta um prazo mais longo para o início do conflito, entre três e cinco anos. A questão foi levada nesta semana ao ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov. Durante discurso no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), ele disse apostar no “instinto de autopreservação” do Ocidente para que a paz seja mantida.

Lavrov falou com jornalistas em Nova York na última terça-feira (23). As perguntas e as respostas foram transcritas pela diplomacia russa em seu site oficial, e alguns temas claramente dominaram o debate. Entre elas as guerras da Ucrânia, sem perspectiva de um acordo de paz, e em Gaza, onde Moscou pende para o lado palestino e assim se opõe a Washington, principal aliado de Israel.

Porém, o assunto mais quente envolvendo Moscou no momento é a tensão na Europa. O ministro comentou os frequentes alertas vindos de países do continente sobre uma invasão iminente a seus territórios por parte das Forças Armadas da Rússia. “Ouvimos esta retórica o tempo todo. Eu acho que isso está errado”, declarou. “Ainda há pessoas inteligentes lá, que conhecem a história e possuem instinto de autopreservação.”

Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, discursa em conferência de imprensa na sede da ONU, janeiro de 2024 (Foto: Kim Haughton/ONU)

Lavrov citou inclusive Washington como uma fonte disseminadora de pânico. “Ouvi dizer que o presidente dos EUA, Joe Biden, também disse algo do gênero e avisou que a Rússia iria imediatamente ‘atacar’ os Estados Bálticos, a Finlândia e outros países da Otan se a Ucrânia fosse derrotada. Alguns líderes de nível inferior, e não apenas nos Estados Unidos, também fizeram declarações semelhantes.”

Ele, então, analisou o distanciamento crescente entre EUA e Rússia e colocou a culpa nos norte-americanos. “São os Estados Unidos que fazem isto. As doutrinas dos EUA e da Otan dizem que a Rússia é a ameaça mais significativa e direta. E a China é seu principal desafio na próxima fase. Eles estão elaborando cuidadosamente essas narrativas”, afirmou. “Parece que muitos estão alarmados devido à crescente escalada e à retórica militar.”

Quanto à possibilidade de um conflito entre as duas potências nucleares, o chefe da diplomacia russa foi cauteloso. “Ninguém quer uma ‘grande guerra’, incluindo a Rússia. Tivemos muitas grandes guerras em nossa história”, disse, mais uma vez atribuindo à aliança militar transatlântica a responsabilidade por elevar a tensão.

Nesse sentido, Lavrov destacou a ampliação da Otan, ainda em curso, como uma ameaça à Rússia, cada vez mais cercada por aliados ocidentais. “Além disso, estão atraindo Estados neutros. A Finlândia já aderiu à Otan. Não está claro como isso pode beneficiá-la. O processo também ganhou impulso com a Suécia.”

A presença de nações hostis em seu entorno levou a Rússia recentemente a adotar uma medida extrema, posicionado ogivas nucleares em Belarus, mais perto de países da Otan como Lituânia e Polônia, com os quais o território russo não faz fronteira. Mais uma vez, o chanceler disse se tratar de mera reação russa, sendo que os EUA deram início a tais procedimentos.

“Os Estados Unidos e seus aliados adotam medidas para modernizar as armas nucleares estacionadas em cinco países da Otan, o que constitui uma violação do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Os militares destes cinco países recebem formação sobre a utilização de armas nucleares tácticas”, disse Lavrov.

De seu lado, a autoridade russa diz que o envio de ogivas a Belarus foi um pedido do líder local, Alexander Lukashenko, aliado do presidente russo Vladimir Putin. “Naturalmente, o Ocidente fez muito barulho sobre isso, alegando que poderia fazê-lo, mas nós não. Todas as oportunidades para evitar a escalada foram sistematicamente ignoradas pelos americanos. Todos os tratados foram desmantelados”, disse. 

Ao concluir a questão, atribuiu ao Ocidente também a culpa pela guerra da Ucrânia, dizendo que Moscou invadiu a antiga república soviética somente por se sentir ameaçada. E que, da mesma, forma, não teria por que atacar outro país se não para se proteger. “Não temos nem o desejo nem qualquer necessidade militar, política ou econômica de atacar alguém”, declarou. 

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