Navalny terá velório público, mas mulher dele diz temer ação da polícia russa

Cerimônia fúnebre do ativista ocorrerá na sexta-feira, em Moscou: 'Não tenho certeza se será pacífico', afirma Yulia Navalnaya

Apesar de todos os desafios enfrentados pelos aliados de Alexei Navalny para organizar uma cerimônia fúnebre adequada, o enterro do corpo do ativista acontecerá na sexta-feira (1º) no cemitério Borisov, em Moscou. O anúncio foi feito nesta quarta-feira (28) pela porta-voz Kira Yarmysh através da rede social X, antigo Twitter.

Yarmysh confirmou também que um velório aberto ao público ocorrerá às 14h (horário local) em uma igreja ortodoxa do distrito de Maryino, na capital russa. Na mesma postagem, ela pediu aos seguidores que “cheguem cedo” para a cerimônia.

Apesar do anúncio, a mulher de Navalny, Yulia Navalnaya, disse que a segurança dos presentes não está assegurada. “Ainda não tenho certeza se será pacífico ou se a polícia irá prender aqueles que forem se despedir de Alexei”, disse ela nesta quarta em discurso ao Parlamento Europeu, cujo conteúdo foi reproduzido por Yarmysh no X.

Um dia antes de anunciar o enterro, a porta-voz, que se exilou na Finlândia devido à perseguição do Kremlin, revelou as dificuldades enfrentadas pelos aliados para encontrar uma agência funerária disposta a organizar a cerimônia.

“Algumas dizem que o local está lotado. Algumas recusam quando mencionamos o sobrenome ‘Navalny’. Num determinado lugar, fomos informados de que as agências funerárias estavam proibidas de trabalhar conosco”, disse ela na terça (27).

Principal assessor de Navalny, Ivan Zhdanov declarou, também através do X, que o motivo da recusa das agências estava relacionado à data escolhida, quinta-feira (29). Ocorre que neste dia o presidente Vladimir Putin fará um discurso ao parlamento russo, e o Kremlin não queria concorrência.

“A verdadeira razão é clara. O Kremlin entende que ninguém precisará de Putin e de sua mensagem no dia da despedida de Alexei”, afirmou Zhdanov, acrescentando que “os demônios voltaram a zombar de Alexei, mesmo depois de ele ter partido.”

Alexei Navalny: velório público, apesar da repressão (Foto: reprodução/festival.sundance.org)
Assassinato

Mais proeminente opositor de Putin, Navalny morreu no último dia 16 após “se sentir mal” e desmaiar quando caminhava no pátio da colônia penal IK-3, no Ártico. Ele cumpria pena de 30 anos e com frequência reclamava do tratamento que recebia no cárcere, alegando inclusive que sua saúde estava debilitada por isso.

Após a confirmação da morte, aliados de Navalny, grupos de defesa dos direitos humanos, governos estrangeiros e até a ONU (Organização das Nações Unidas) atribuíram o ocorrido ao governo russo, alguns deles usando a palavra “assassinato”.

“Não se engane: Putin é responsável pela morte de Navalny”, disse o presidente norte-americano Joe Biden, segundo relato do jornal The New York Times. “O que aconteceu com Navalny é ainda mais uma prova da brutalidade de Putin. Ninguém deve ser enganado.”

O grupo OVD-Info, que monitora a repressão na Rússia, publicou um editorial igualmente acusando Putin. “Isto não é morte. Isso é assassinato”, diz o texto originalmente em russo, traduzido com o auxílio de ferramentas online.

Mariana Katzarova, especialista independente sobre a Rússia nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, também apontou o dedo para o Kremlin e questionou: “Quem será o próximo?” Segundo ela, as condições em que ele era mantido na prisão equivalem a tortura, e chama a atenção o fato de ele ter morrido menos de um mês antes das eleições presidenciais russas.

Quem foi Alexei Navalny

Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A rede dele chegou a ter 50 sedes regionais em toda a Rússia e, entre outras ações, denunciava casos de corrupção envolvendo o governo Putin e figuras importantes ligadas a ele. Isso levou o Kremlin a agir judicialmente para proibir a atuação do opositor, que então passou a ser perseguido.

Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado por violar uma sentença suspensa de 2014, sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, ele chegou a fazer uma greve de fome de 23 dias em abril, para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho daquele ano, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais de Navalny e sua Fundação Anticorrupção (FBK) de funcionarem, classificando-os como “extremistas”.

Após a morte, retomou-se o debate sobre o retorno dele à Rússia, mesmo sabendo que seria preso e possivelmente morto pelo regime. A mulher dele, Yulia Navalnaya, disse que Navalny não pôde optar por uma vida tranquila no exílio porque “amava profundamente” a Rússia e acreditava no potencial do povo russo para um futuro melhor. Alegou ainda que o marido não apenas expressava essas convicções, mas as vivia intensamente, estando até mesmo disposto a sacrificar sua vida por elas.

Quando morreu, ele cumpria pena de 30 anos de prisão por acusações diversas, que vão desde fraude até extremismo, esta a mais grave. Ele sempre alegou que as acusações eram politicamente motivadas, uma forma de conter suas ações em oposição a Putin.

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