União Europeia prepara iniciativa bilionária para combater a influência global da China

Projeto batizado "Global Gateway" é uma resposta das nações da Europa e dos Estados Unidos à Nova Rota da seda do governo chinês

A União Europeia (UE) prepara um pacote de investimento estrangeiro estimado em 40 bilhões de euros. A iniciativa Global Gateway (Portão de Entrada Global, em tradução literal), que promete respeitar estritos padrões ambientais, é uma resposta à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês), estratégia da China para espalhar sua influência mundo afora através do investimento em projetos de infraestrutura. As informações são da rede norte-americana Bloomberg.

O Global Gateway terá como foco projetos digitais, comerciais, de transporte e de energia. Além de alavancar os interesses da Europa em todo o mundo, a intenção é promover padrões ambientais sustentáveis e valores como a democracia e os direitos humanos, justamente os pontos em que a BRI falha.

Sede da União Europeia em Bruxelas, Bélgica, em maio de 2014 (Foto: Divulgação/Thijs ter Haar)

Durante a apresentação do projeto, em setembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von de Leyen, disse que os investimentos devem estratégicos. “Somos bons no financiamento de estradas. Mas não faz sentido para a Europa construir uma estrada perfeita entre uma mina de cobre de propriedade chinesa e um porto de propriedade chinesa. Precisamos ser mais inteligentes quando se trata desse tipo de investimento”, disse ela, segundo o think tank Merics, especializado em China.

Atualmente, 18 países da UE estão inseridos na BRI chinesa, totalizando 8,6% do total investido por Beijing, segundo o think tank The Green Finance & Development Center (Grenn FDC). As principais destinatárias do dinheiro são nações da Ásia Oriental, com 37,29% do montante total, segundo números de 2020. Em segundo lugar surge a Ásia Ocidental, com 17,48%, seguida por África Subsaariana, com 15,18%, e Oriente Médio, com 12,36%.

Para competir com Beijing, a UE pretende ofertar 40 bilhões de euros através do Fundo Europeu Para Desenvolvimento Sustentável, mais alguns bilhões em concessões. Também está previsto um significativo aumento nos investimentos em conectividade no atual ciclo orçamentário do bloco, que vai até 2027. Isso será feito pelo programa de assistência ao desenvolvimento Global Europe (Europa Global, em tradução literal), cujo orçamento é de 79,5 bilhões de euros.

No continente europeu, os principais destinatários do investimento do Global Gateway devem ser os Bálcãs, a Turquia, o Leste Europeu e o Sul da Europa. Também haverá investimentos na África, na Ásia Central, no Indo-Pacífico, na América Latina e no Ártico, este último através de um projeto de conectividade digital 5G que criaria um corredor desde a Europa até a região.

Por que isso importa?

A BRI começou a se desenhar após a crise financeira internacional de 2008, quando as empresas chinesas se voltaram para a Eurásia de olho em atraentes ativos industriais e comerciais. Então, pipocaram projetos de infraestrutura de transporte e energia com financiamento chinês, o principal foco desde então. Em 2013, a iniciativa se estabeleceu globalmente como uma das bases da política externa do presidente Xi Jinping.

O objetivo central da BRI é espalhar a influência de Beijing através do investimento. No total, 140 países foram beneficiados com dinheiro proveniente da iniciativa chinesa até 2020, de acordo com o Grenn FDC. O maior número deles está na África, com 40 nações. Entre 2013 e dezembro de 2020, a China investiu cerca de US$ 770 bilhões nos países participantes da BRI.

No início, os governos receberam muito bem os bilhões de dólares injetados por Beijing, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

Encontro de chefes de Estado ligados à nova Rota da Seda, em Beijing, em abril de 2019 (Foto: RIA Novosti/Presidência da Federação Russa)

Essa é parte da estratégia chinesa, que invariavelmente usa a inadimplência como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês mundo afora ao assumir o controle de infraestruturas cruciais em todos os continentes.

A questão ambiental, uma das preocupações centrais do Global Gateway europeu, é outro ponto negativo da BRI. Segundo Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, Beijing tem como objetivo “a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”.

Um estudo do think tank canadense Iffras (Fórum Internacional por Direitos e Segurança, da sigla em inglês) corrobora a opinião de Vuksanovic. Segundo relatório publicado pela entidade em setembro, a iniciativa chinesa tende a “aumentar ainda mais a degradação ambiental e as mudanças climáticas”.

Em países como Indonésia, Egito, Quênia, Bangladesh, Vietnã e Turquia, a BRI está ligada a projetos de usinas de geração de energia movidas a carvão. No final de 2016, a ONG Global Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente Global, em tradução literal) registrou 240 projetos movidos a carvão ligados à iniciativa chinesa.

“A Nova Rota da Seda (BRI) tem um grande foco na construção de projetos de energia, e quase 90% deles são intensivos em carbono, operando com combustível fóssil“, diz o documento do Iffras. “Dada a magnitude da BRI, que se espalha pelos cinco continentes, o planeta vai sofrer impactos graves e negativos graças ao jeito chinês de construir projetos em que as diretrizes ambientais dificilmente são seguidas”.

Diante desse cenário, começam a surgir problemas para Beijing, que enfrenta uma dificuldade crescente para obter novos parceiros, diante dos exemplos desfavoráveis que pipocam constantemente. É aí que deve ser inserir a Global Gateway.

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