Mesmo que o Hajj, tradicional peregrinação à Meca, seja uma obrigação entre os muçulmanos, nem todos têm o direito de realizá-la. À anfitriã do evento, Arábia Saudita, falta capacidade de organização, o que transforma as festividades em um “instrumento político”.
A avaliação é de Turan Kayaoglu, professor de Relações Internacionais da Universidade de Washington, em uma pensata publicada em julho pelo think tank Brookings Institution.
O controle saudita sobre os locais religiosos passa a ser baseado no direito internacional e na soberania, e não na teologia islâmica, apontou.
Todos os muçulmanos têm o dever de peregrinar a Meca e visitar a Caaba, a ‘Casa de Deus’, pelo menos uma vez na vida. Isso se a condições físicas e financeiras permitirem.
Desde o início dos anos 1980, no entanto, a família real utiliza-se do verniz religioso para designar a Arábia Saudita como a “Custodiante das Duas Cidades Sagradas”.
O hajj, por consequência, acaba sendo reivindicado como autoridade exclusiva do país, o que aumenta a rivalidade com vizinhos como o Irã.
Decisão como instrumento de poder
O aumento da população muçulmana e a facilidade para adquirir passagens aéreas foram os principais motivos para que a Arábia Saudita passasse a limitar o número de peregrinos a partir da década de 1990.
De lá para cá, um sistema de “cotas” prevê um volume específico para cada país conforme a sua população muçulmana registrada – mas sua aplicação ainda é fundamentalmente politizada.
“No sistema atual, o hajj se tornou mais uma ferramenta no arsenal de política externa da Arábia Saudita. O reino opta por manter o sistema de cotas o menos transparente possível, a fim de explorá-lo como uma ferramenta política para recompensar seus aliados e punir seus adversários”, escreveu Kayaoglu.
Para o pesquisador, o sistema de cotas fez com que aspirantes a peregrinos esperem anos ou até mesmo décadas para realizar o hajj.
“Muitos acabam realizando este ritual fisicamente exigente quando são muito velhos, supondo que vivam o suficiente para serem selecionados”, pontua.
A emissão de vistos é um ponto extra ao governo saudita. Peregrinos do Catar, por exemplo, já foram impedidos de realizar o hajj por conta da dificuldade para obter entrada no país.
Nova gestão
A implementação de uma estrutura de gestão coletiva para o hajj é a sugestão apontada pelo professor para melhorar uma das maiores festividades religiosas do mundo.
Segundo ele, a Organização de Cooperação Islâmica (OIC) pode cooperar com as minorias e comunidades muçulmanas a fim de desempenhar um papel maior da regulamentação e gestão do hajj.
Uma saída prática pode ser a reformulação do calendário do hajj, para que mais muçulmanos possam participar das celebrações.
Apenas mudanças estruturais para expandir o espaço ao redor da Caaba não são suficientes. “Como as mesquitas que permitem várias orações de Jumaah ou Eid, o hajj pode ser realizado por vários grupos não sobrepostos”, apontou.
Sobre o Hajj
O hajj acontece em celebração ao nascimento do Islã, em Meca, todo ano. Eles comemoram as tradições do profeta Maomé, Abraão, Hagar e Ismael.
Estima-se que 2,5 milhões de muçulmanos encontrem-se na Arábia Saudita todos os anos para as festividades. Em 2020, no entanto, a pandemia da Covid-19 reduziu drasticamente o número de peregrinos no local.
Além da ida a Meca, o hajj deve ser experimentado de maneira prescrita durante seis dias em Dhu al-Hijjah, o décimo segundo e último mês do calendário islâmico. Neste ano, o evento ocorreu no final de julho.