Facção do Estado Islâmico assume ataque com mais de 20 mortos no Afeganistão

Organização terrorista afirmou que teve como alvo as forças do Taleban, grupo radical que governa o país desde agosto de 2021

O Estado Islâmico-Khorasan (EI-K) assumiu a autoria de um atentado suicida que matou ao menos 21 pessoas na cidade de Kandahar, no Afeganistão, na quinta-feira (21). As informações são da rede BBC.

A organização terrorista realizou o ataque em frente a um banco no centro da cidade e afirmou, através de seus canais de propaganda, que teve como alvo as forças do Taleban, grupo radical que governa o país desde agosto de 2021.

O ataque ocorreu no momento em que funcionários do governo afegão faziam fila em frente à agência bancária para receber seus salários. O EI-K disse que usou um terrorista suicida na ação, sendo que ele ativou o cinto explosivo em meio a “cerca de 150” talibãs. Embora a capital afegã seja Cabul, é Kandahar que o Taleban usa como sua principal sede.

O próprio Taleban confirmou o impacto do ataque, o maior do ano no Afeganistão até aqui. O número de vítimas, porém, foi fornecido por um médico que trabalha em um hospital de Kandahar. Segundo ele, além dos 21 mortos, cerca de 50 feridos foram atendidos em virtude da explosão.

O Taleban tem sido alvo preferencial dos ataques do EI-K, apesar de civis também serem frequentemente vitimados. Nesse segundo caso, as ações terroristas se concentram nos hazaras, uma minoria xiita que foi perseguida pelos próprios talibãs durante a passagem anterior do grupo pelo poder, entre 1996 e 2001.

Um relatório publicado no início de setembro de 2022 pela ONG Human Rights Watch (HRW) afirmou que o Taleban, governante de fato do Afeganistão, tem sido ineficiente em sua obrigação de proteger a população local, especialmente algumas minorias xiitas como os hazara.

Tanques de guerra no distrito de Arghandab, província de Kandahar, Afeganistão, em 5 de abril de 2021 (Foto: Reprodução/Twitter/Ministry of Defense Afghanistan)
Por que isso importa?

Embora tenha ganhado notoriedade somente após o Taleban ascender ao poder, o EI-K não é novo no cenário afegão. O grupo extremista opera no Afeganistão desde 2015 e surgiu na esteira da criação do EI do Iraque e da Síria. Foi formado originalmente por membros de grupos do Paquistão que migraram para fugir da crescente pressão das forças de segurança paquistanesas. Não há diferença substancial entre as facções, somente o local de origem, a região de Khorasan, originalmente parte do Irã.

Com a ocupação estrangeira no Afeganistão encerrada e o antigo governo local deposto pelo Taleban, os principais alvos do EI-K têm sido a população civil, sobretudo minorias xiitas, e os próprios talibãs, tratados como apóstatas pelos extremistas, sob a acusação de que abandonaram a jihad por uma negociação diplomática.

Os ataques suicidas são a principal marca do EI-K, que habitualmente tem uma alta taxa de mortes por atentado. O mais violento de todos ocorreu durante a retirada de tropas dos EUA e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), quando as bombas do grupo mataram 183 pessoas na região do aeroporto de Cabul.

Enquanto o EI-K ganha relevância no Afeganistão, o EI passa por um processo de enfraquecimento global que começou com a derrota em seus dois principais redutos. No Iraque, o Exército iraquiano retomou os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.

De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”

Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.

A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.

O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe que identifica o grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz o relatório, citando a África como uma região de particular preocupação.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, HezbollahHamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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