Irã identifica suspeito-chave em atentados reivindicados pelo Estado Islâmico

O suposto mentor dos ataques foi identificado como um cidadão tajique, que entrou ilegalmente na República Islâmica em dezembro

Autoridades iranianas identificaram o suposto responsável por fabricar as bombas usadas no duplo ataque terrorista em 3 de janeiro que deixou 91 pessoas mortas em Kerman, cidade localizada cerca de 820 quilômetros a sudeste da capital Teerã. O suspeito, também apontado como o mentor dos ataques, é um cidadão do Tadjiquistão conhecido pelo pseudônimo Abdollah Tajiki, conforme informado pelo Ministério da Inteligência iraniano e repercutido pela agência Al Jazeera.

Abdollah entrou no Irã em meados de dezembro, atravessando a fronteira sudeste, e deixou o país dois dias antes do ataque, após fabricar as bombas, conforme comunicado da pasta.

O atentado terrorista foi reivindicado pelo Estado Islâmico (EI), que teve como alvo uma cerimônia em memória do general Qassem Soleimani, morto em um ataque de drone realizado pelos EUA em 2020. Em nota, o grupo extremista descreveu o ataque como uma “operação de duplo martírio” e disse que dois militantes detonaram cintos explosivos em seus corpos “perto do túmulo do líder hipócrita”, que foi chefe da brigada Al-Quds, a elite do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês).

Sepultura onde está enterrado Qasem Soleimani, no Cemitério dos Mártires de Kerman, local dos atentados (Foto: WikiCommons)

Na quinta-feira (11), o número de mortos subiu para 94, incluindo 14 afegãos, com mais de 280 feridos. Em uma operação realizada em várias províncias, as autoridades prenderam 35 suspeitos ligados aos ataques, de acordo com a agência IRNA.

O Ministério da Inteligência deu novos detalhes, e relatou que um homem-bomba detonou o primeiro explosivo durante a cerimônia, seguido por outro ataque 20 minutos depois, atingindo equipes de emergência e pessoas que ajudavam os feridos do primeiro ataque.

O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, prometeu retaliar os ataques em Kerman durante os funerais, afirmando que as forças iranianas escolherão “o momento e o local para agir”.

A comunidade internacional, incluindo a ONU (Organização das Nações Unidas), União Europeia (UE), China, Arábia Saudita, Jordânia e Iraque, condenou os atentados.

Rixa histórica

O EI, que tem hostilidade em relação ao Irã por motivos religiosos e sectários, justificou os ataques como parte de um antigo conflito entre sunitas e xiitas. O grupo islâmico é uma organização sunita extremista, enquanto Teerã é predominantemente xiita. Essas duas seitas islâmicas têm diferenças teológicas e históricas significativas, que remontam a uma disputa do século VII sobre a liderança da comunidade muçulmana após a morte do profeta Maomé.

A declaração do grupo extremista não identificou qual ramificação regional dos extremistas executou o ataque, algo que também ocorreu em algumas reivindicações anteriores. Ouvido pela agência Associated Press, Aaron Zelin, pesquisador do The Washington Institute for Near East Policy (Instituto Washington para Política no Oriente Médio), um think tank sediado nos EUA, observou que o grupo parece buscar uma resposta do Irã contra Israel, ampliando o conflito com o Hamas para um confronto regional que o Estado Islâmico poderia explorar.

Zelin comparou a abordagem do EI à do personagem Coringa, um icônico vilão fictício das histórias em quadrinhos da DC Comics, querendo ver o mundo em caos, sem se importar com os meios, desde que beneficie o grupo.

Por que isso importa?

O EI passa por um processo de enfraquecimento que começou com a derrota da organização em seus dois principais redutos. No Iraque, o exército iraquiano retomou todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.

De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”

Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.

Um desses afiliados é o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ampliou sua área de atuação, com aumento de ataques no Mali e, em menor escala, em Burkina Faso e no Níger. Recentemente, tem feito esforços para estabelecer “um corredor para a Nigéria para fins logísticos, de abastecimento e recrutamento, possivelmente em colaboração com o ISWAP” (Estado Islâmico da África Ocidental).

A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.

O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe para se referir ao grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz o relatório, citando a África como uma região de particular preocupação.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, HezbollahHamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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