Mulheres ligadas ao EI e crianças deixam campos de refugiados e retornam à França

Vinte e cinco crianças e 10 adultos, que foram enviados para campos onde supostos jihadistas estavam detidos, foram repatriados

O Ministério das Relações Exteriores da França anunciou nesta terça-feira (4) que levou de volta ao país 25 crianças e dez mulheres que vinham sendo mantidas em campos de deslocados no nordeste da Síria. Essa é a quarta operação com o objetivo de repatriação realizada no período de um ano, de acordo com o jornal britânico The Guardian.

As crianças serão encaminhadas aos serviços de acolhimento, enquanto as mulheres serão entregues às autoridades judiciais competentes. Essas mulheres francesas haviam se voluntariado para os territórios controlados pelos jihadistas do Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque, mas foram capturadas após a derrota do grupo em 2019, quando o autoproclamado “califado” foi encerrado no território sírio.

Qualquer adulto que tenha ido para a região do Iraque-Síria e permanecido lá está sujeito a processos judiciais na França.

Criança anda pelo acampamento de refugiados Kafr, na Síria, em janeiro de 2021 (Foto: Unicef/Khaled Akacha)

Inicialmente, Paris defendeu que as mulheres que se uniram ao EI deveriam ser julgadas nos países onde estavam e que as crianças fossem repatriadas caso a caso. No entanto, após críticas de grupos de direitos humanos e da ONU (Organização das Nações Unidas), a França mudou sua abordagem no ano passado e começou a trazer de volta mulheres e crianças.

O grupo repatriado na terça-feira é o quarto a retornar à França, sendo que o último grupo, composto por 32 crianças e 15 mulheres, chegou em janeiro. Paris recebeu ajuda da administração local no nordeste da Síria, de acordo com o órgão governamental.

Em julho do ano passado, estimava-se que cerca de 200 crianças francesas ainda estavam na Síria, levadas pelos pais que se uniram ao Estado Islâmico ou que nasceram lá. Desde então, aproximadamente cem delas foram levadas de volta à França.

Quando o grupo militante extremista foi derrotado no Iraque e na Síria, milhares de estrangeiros, muitos deles parentes de combatentes, foram detidos e enviados às pressas a prisões e campos de refugiados. Pelo menos 42 mil mulheres e crianças estrangeiras, a maioria com menos de 12 anos, atualmente permanecem em condições miseráveis em campos superlotados no nordeste da Síria.

Alguns viajaram para a zona de conflito para se juntar à luta, outros após a promessa de uma vida melhor. Alguns foram forçados a ir por familiares ou líderes comunitários. Outros podem ter cometido crimes sob coação ou após serem traficados. Muitos ainda eram crianças, e há inclusive quem tenha nascido nos campos.

Aproximadamente 77% das crianças nos campos têm menos de 12 anos, e 33% delas têm menos de cinco anos.

Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em fevereiro deste ano, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já o sucessor dele, Abu al-Hassan al-Hashemi al-Qurashi, foi morto em novembro, segundo anunciou o próprio grupo.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro de 2022, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também continua a ser um desafio, pois impede as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumenta as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Outro risco que o grupo oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los a seus países de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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