ONU diz que Taleban proibiu funcionárias afegãs de trabalhar

Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse que qualquer tentativa de impedir que mulheres afegãs trabalhem para a organização seria "inaceitável e inconcebível"

Mais uma repressão do Taleban à liberdade das mulheres afegãs veio à tona na terça-feira (4). Agora, elas também estão proibidas de trabalhar para as agências da ONU (Organização das Nações Unidas), que levam assistência para cerca de 23 milhões de pessoas – mais da metade da população do país – que necessitam de ajuda humanitária no Afeganistão. As informações são da agência Associated Press.

No mesmo dia, a Missão de Assistência da ONU no país (Unama), expressou preocupação com o fato de as funcionárias da província de Nangarhar, no leste, terem sido impedidas de se apresentar ao trabalho.

“Continuaremos a buscar todos os caminhos para garantir que possamos alcançar as pessoas mais vulneráveis, especialmente mulheres e meninas”, disse a porta-voz da ONU, Stephane Dujarric.

O Taleban, que prometeu moderação ao assumir o poder em agosto de 2021, mas se mostrou mais interessado e engajado em enterrar qualquer resquício de progresso democrático, tem na repressão de gênero uma de suas mais autoritárias marcas. As mulheres não podem estudar, trabalhar e nem sair de casa desacompanhada de um homem.

Afegãos recebem ajuda humanitária após terremoto que atingiu seu país (Foto: Mark Naftalin/Unicef)

Em dezembro, a organização fundamentalista proibiu o trabalho de mulheres afegãs em ONGs, levando muitas agências a suspender as atividades por falta de mão de obra. A medida não impactou no trabalho de mulheres para a ONU, mas havia temores temores de que as isso poderia ocorrer.

Em coletiva de imprensa na terça, Stephane disse que o secretário-geral Antonio Guterres alertou que “qualquer proibição seria inaceitável e, francamente, inconcebível”.

“Ainda estamos analisando como esse desenvolvimento afetaria nossas operações no país e esperamos ter mais reuniões com as autoridades de fato na quarta (5) em Cabul, nas quais buscaremos alguma clareza”.

De uma população de cerca de 40 milhões de pessoas no Afeganistão, a ONU está tentando alcançar 23 milhões de homens, mulheres e crianças com ajuda humanitária, disse Stephane. “Continuaremos a buscar todos os caminhos para garantir que possamos alcançar as pessoas mais vulneráveis, especialmente mulheres e meninas”.

A ONU tem cerca de 3.900 funcionários no Afeganistão, sendo 3.300 afegãos e 600 vindos de outras partes do mundo, detalhou Stephane. Desse total, 600 são mulheres afegãs e outras 200 de outros países. O contingente feminino é “essencial” para a execução de operações de salvamento das Nações Unidas, acrescentou a porta-voz.

O regime talibã diz que respeita os direitos das mulheres de acordo com a ‘Sharia’, uma abordagem radical da lei islâmica.

Por que isso importa?

A vida das mulheres tem sido particularmente dura no Afeganistão. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”. No dia 20 de dezembro, o grupo radical que comanda o país anunciou ainda que as mulheres estão proibidas de frequentar as universidades do Afeganistão.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.

Há ainda um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza. O reconhecimento internacional fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza.

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