Passa de 30 o número de vítimas de ataque do Estado Islâmico na Síria

Jihadistas atacaram um ônibus que conduzia militares, na mais mortífera ação contra as forças do governo registrada neste ano

Um ataque realizado por militantes do Estado Islâmico (EI) na última quinta-feira (10) deixou ao menos 33 militares mortos no norte da Síria. O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, uma organização de monitoramento britânica que conta com informantes no país, revisou nesta segunda (14) o número de vítimas fatais, que antes era de 26. As informações são da rede Voice of America (VOA).

A ação dos extremistas teve como alvo um ônibus que conduzia tropas do governo envolvidas na guerra civil do país. O veículo trafegava pelo deserto de Deir Zor quando foi cercado por insurgentes, que então abriram fogo.

“O número de mortos no ataque ao ônibus do exército subiu para 33 soldados”, disse Rami Abdel Rahman, que chefia o Observatório.

Considerando a informação atualizada pela organização de monitoramento, trata-se do ataque terrorista mais mortífero contra as forças armadas sírias registrado neste ano até agora.

Em resposta ao ocorrido, o governo da Síria, sob a liderança do presidente Bashar Al-Assad, culpou os Estados Unidos pela violência no país. O governo norte-americano está inserido na guerra civil como apoiador das Forças Democráticas Sírias (FDS), milícia curda que luta contra o EI na Síria e também faz oposição a Damasco.

“Esta agressão criminosa e terrorista” ocorre dentro “do contexto do apoio e patrocínio dos Estados Unidos da América a organizações terroristas, na vanguarda das quais está o Daesh”, disse o governo em comunicado, utilizando a sigla árabe para se referir ao EI.

Membros do Estado Islâmico no deserto de Homs, Síria (Foto: Observatório Sírio para os Direitos Humanos)
Síria em guerra

A guerra civil na Síria, que já dura mais de 12 anos, opõe Rússia e Irã, aliados do presidente Bashar Al-Assad, à Turquia, que apoia os rebeldes do Exército Livre da Síria (ELS) na luta contra o governo. Centenas de milhares de pessoas morreram durante a guerra, que varreu a nação e deslocou mais da metade da população, que era de 23 milhões de pessoas.

Desde 2011, a oposição e líderes ocidentais exigem a queda de Assad, a quem acusam de crimes contra a humanidade. Apoiadores do líder sírio, por outro lado, criticam o que consideram uma interferência de Washington com o intuito de derrubar o presidente.

Após sofrer duras perdas no início do conflito, Assad conseguiu reconquistar território graças à ajuda de seus aliados. A última região com forte presença da oposição armada inclui áreas da província de Idlib e partes das províncias vizinhas de Aleppo, Hama e Latakia.

Em 2020 foi estabelecida uma trégua intermediada por Rússia e Turquia. Ela inclui os rebeldes e as forças do governo, enquanto grupos extremistas como o EI não fazem parte do pacto.

Apesar da trégua, ataques esporádicos continuam a ocorrer, inclusive com operações militares aéreas lideradas por Moscou. Nesse período, Ancara conseguiu consolidar sua influência no norte da Síria, o que ajudou a evitar uma nova etapa de combates e controlou o fluxo de refugiados.

Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu outros duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo. O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro do ano passado, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também foi um desafio, pois impedia as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumentou as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Um risco que o grupo ainda oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los às nações de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista Veja mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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