Taleban não mostra ‘nenhum sinal de moderação’, diz chefe da diplomacia europeia

Josep Borrell destaca falta de reconhecimento internacional do governo afegão e diz que 'situação de seu povo é terrível'

No último dia 15 de agosto, o Afeganistão completou um ano sob o governo do Taleban. De lá para cá, o grupo radical “não mostrou nenhum sinal de moderação, muito pelo contrário”. A avaliação é de Josep Borrell, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), em análise publicada no sábado (27) no site do bloco.

“O Afeganistão pode ter saído das manchetes. No entanto, a situação de seu povo é terrível”, diz o texto assinado pelo espanhol, que lista abusos cometidos pelos radicais, contrariando a moderação prometida após tomar o poder. “Todas as meninas, apesar das promessas anteriores, são proibidas de estudar; vastas áreas do país são assoladas pela fome (70% da população); e muitos afegãos vivem com medo ou no exílio”.

Borrel destaca o principal efeito desses radicalismo: o distanciamento entre o atual governo afegão e a comunidade internacional. “Compreensivelmente, nenhum governo, nem mesmo Paquistão ou Catar, reconheceu oficialmente o Taleban. Enquanto isso, o povo afegão paga um alto preço pelo isolamento de seu país: os níveis de ajuda humanitária são minúsculos em comparação com as necessidades”.

Quando a ascensão dos talibãs ao poder completou um ano, há duas semanas, a ONU (Organização das Nações Unidas) já havia destacado as promessas não cumpridas pelo grupo. Números reportados pela entidade indicam que quase 23 milhões de pessoas receberam pelo menos uma forma de assistência humanitária no país no último ano. Isso representa 94% dos 24,4 milhões que precisam de ajuda.

Conforma análise de um grupo de relatores de direitos humanos da ONU, embora tenham assumido vários compromissos para defender os direitos humanos, os talibãs “não apenas falharam em cumprir suas promessas, mas também reverteram muito progresso feito nas últimas duas décadas”.

Reunião de líderes do governo talibã no Afeganistão (Foto: twitter.com/IeaOffice)

Análise semelhante foi feita pela Anistia Internacional no final de julho, com foco na repressão de gênero. “Menos de um ano após a tomada do Afeganistão pelo Taleban, suas políticas draconianas têm privado milhões de mulheres e meninas de seu direito de levar uma vida segura, livre e satisfatória”, disse na ocasião a secretária-geral da ONG, Agnès Callamard.

“Essa repressão sufocante contra a população feminina do Afeganistão aumenta dia a dia. A comunidade internacional deve exigir urgentemente que o Taleban respeite e proteja os direitos de mulheres e meninas”, afirmou ela, que cobrou “consequências” a serem impostas ao Taleban, como “sanções direcionadas ou proibições de viagem aplicadas por meio de uma Resolução do Conselho de Segurança da ONU”.

Por que isso importa?

Desde que chegou ao poder, o Taleban busca reconhecimento global como governo de direito do Afeganistão. Enquanto isso não ocorre, o país continua marginalizado da comunidade internacional, justamente em razão das acusações de abusos dos direitos humanos e da forte repressão, sobretudo contra mulheres.

Também pesam contra o grupo as acusações de proximidade com a Al-Qaeda, uma das principais organizações terroristas do mundo. Relatório divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio de 2022 afirma que, conforme avaliação dos Estados-Membros a “Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”.

Mais que legitimar os talibãs internacionalmente, o reconhecimento fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. Em meio à crise profunda que os afegãos enfrentam, os Estados Unidos liberaram para ajuda humanitária, em fevereiro de 2022, US$ 3,5 bilhões em ativos congelados do Banco Central do Afeganistão em solo norte-americano.

Quando o governo afegão se dissolveu, com altos funcionários deixando o país, incluindo o presidente e o governador interino do banco central, deixou para trás pouco mais de US$ 7 bilhões em ativos depositados no Federal Reserve Bank dos EUA. Como não estava mais claro quem tinha autoridade legal para obter acesso a essa conta, o Fed tornou os fundos indisponíveis para saque.

Washington congelou os fundos afegãos mantidos nos EUA após o grupo islâmico ascender ao poder, em agosto do ano passado. Ultimamente, o governo Biden vinha sendo pressionado a disponibilizar o dinheiro sem reconhecer o regime do Taleban, que alega ser o dono do dinheiro. O valor, então, acabou liberado, com a outra metade destinada a pagar indenizações às vítimas dos ataques de 11 de setembro.

O Afeganistão tem mais US$ 2 bilhões em reservas, depositados em países como Reino Unido, Alemanha, Suíça e Emirados Árabes Unidos. A maioria desses fundos também está congelada. Autoridades norte-americanas relataram ter entrado em contato com aliados para detalhar sua iniciativa, mas Washington foi o primeiro a oferecer um plano sobre como usar os ativos congelados para auxiliar o povo afegão.

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