Taleban executou ou desapareceu com mais de 100 ‘traidores’ no Afeganistão

Policiais, agentes de inteligência e militares que atuaram com o antigo governo afegão ou as forças de ocupação estrangeiras correm risco

Quando assumiu o poder no Afeganistão, no dia 15 de agosto, o Taleban prometeu anistiar aqueles que considerava traidores da nação, que são policiais, agentes de inteligência e militares que trabalharam para o antigo governo ou as forças estrangeiras de ocupação. Agora, mais de três meses depois, um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) mostra que a promessa não foi cumprida e que mais de 100 pessoas foram sumariamente executadas ou desapareceram nas mãos dos talibãs, sob acusação de traição.

“A anistia prometida pela liderança do Taleban não impediu que os comandantes locais executassem sumariamente ou fizessem desaparecer ex-membros da força de segurança afegã”, disse Patricia Gossman, diretora associada para a Ásia da HRW. “O fardo recai sobre o Taleban para evitar mais mortes, responsabilizar os responsáveis e indenizar as famílias das vítimas”.

Os registros de ex-funcionários do antigo governo afegão têm sido usados para rastrear as vítimas, e mesmo cidadãos que receberam cartas com a garantia de que estariam a salvo acabaram executados ou desapareceram. Há listas com os nomes de pessoas acusadas de crimes “imperdoáveis”, e incursões noturnas para prender acusados são habituais, com as vítimas invariavelmente desaparecendo depois da ação.

“Os ataques noturnos do Taleban são assustadores”, disse à HRW um ativista da sociedade civil da província de Helmand. “São conduzidos com o pretexto de desarmar ex-membros das forças de segurança que não entregaram as armas. Aqueles que ‘desaparecem’ são [vítimas] de ataques noturnos. A família não pode denunciar ou confirmar. As famílias nem podem perguntar para onde [a pessoa foi levada]”.

Soldado britânico conta com o suporte de um tradutor para conversar com um afegão (Foto: Jeffrey Duran/ US Army/Flickr)

Abdul Raziq, um ex-oficial militar provincial, é um desses casos. Ele se rendeu aos talibãs em agosto, e desde então a família não recebeu qualquer informação sobre o local em que está detido, ou mesmo se foi executado. Também estão na mira do Taleban pessoas acusadas sem provas de associação com o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), facção do grupo extremista baseado no Iraque e na Síria que tem realizado seguidos e violentos ataques terroristas no país.

Segundo relato da ONU (Organização das Nações Unidas), as operações do Taleban contra o EI-K “dependem fortemente de detenções e assassinatos extrajudiciais”. Muitos dos mortos foram alvejados por causa de suas opiniões salafistas ou de suas afiliações tribais específicas, diz a entidade.

Investigações

Chegou a ser anunciada no Afeganistão a criação de uma comissão para investigar relatos de abusos de direitos humanos, corrupção, furto e outros crimes. Porém, segundo a HRW, nenhuma investigação sobre os assassinatos foi relatada oficialmente. O Taleban respondeu à ONG que demitiu os responsáveis pelos abusos citados no relatório, mas não forneceu informações para corroborar tal afirmação.

“As alegações infundadas do Taleban de que agirá para evitar abusos e responsabilizar os abusadores parecem, até agora, nada mais do que um golpe de relações públicas”, disse Gossman. “A falta de responsabilidade deixa clara a necessidade de um escrutínio contínuo da ONU sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, incluindo monitoramento robusto, investigações e relatórios públicos”.

Por que isso importa?

Desde que assumiu o poder, no dia 15 de agosto, o Taleban busca reconhecimento internacional como governo de fato do que chama de “Emirado Islâmico“. O grupo chegou a se reunir com autoridades da ONU (Organização das Nações Unidas) a fim de garantir que a assistência humanitária seja mantida no país.

As acusações de abusos dos direitos humanos e de repressão, sobretudo contra as mulheres, afastam cada vez mais o governo talibã da comunidade internacional. Tanto que, até agora, nenhuma nação reconheceu formalmente o Taleban como poder legítimo no país, apesar da aproximação com países como China e Paquistão.

Mais do que legitimar os talibãs internacionalmente, o reconhecimento é crucial para fortalecer financeiramente um país pobre e sem perspectivas imediatas de gerar riqueza. Inclusive, os Estados Unidos, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) cortaram o acesso de Cabul a mais de US$ 9,5 bilhões em empréstimos, fundos e ativos, sem qualquer previsão de retirada das sanções que bloquearam o dinheiro fundamental para reerguer o país.

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