Jovem que deixou o Reino Unido para se unir ao EI perde cidadania e hoje é apátrida

Shamima Begum viajou à Síria em 2015 para defender o grupo extremista e agora luta na Justiça para voltar ao país de origem

A Justiça britânica rejeitou o pedido de Shamima Begum, uma mulher de 23 anos nascida no Reino Unido, para recuperar a cidadania, revogada após ela deixar o país em 2015 para se juntar ao Estado Islâmico (EI) na Síria. As informações são do jornal The Washington Post.

Shamima fugiu do Reino Unido em 2015 rumo à Síria, passando antes pela Turquia. Em 2019, quando o grupo extremista foi derrotado na nação árabe, ela foi levada a um campo de prisioneiros e perdeu a cidadania britânica. Mais tarde, resolveu voltar para casa e agora luta na Justiça para recuperar o direito de viver no país onde nasceu.

De acordo com a ONG Human Rights Watch (HRW), o problema da jovem atinge cerca de 42 mil pessoas que se juntaram ao EI no passado e agora são rejeitadas por seus países de origem, sob o argumento de que representam uma ameaça à segurança nacional. A maioria vive em campos e prisões sírias sem a perspectiva de voltar para casa.

“As autoridades lideradas pelos curdos mantêm os detidos, a maioria crianças, junto com 23,2 mil sírios, em condições de risco de vida”, diz a HRW. “Crianças se afogaram em poços de esgoto, morreram em incêndios em tendas e foram atropeladas por caminhões-pipa, e centenas morreram de doenças tratáveis, disseram funcionários, agentes humanitários e detentos”.

Membros do Estado Islâmico no deserto de Homs, Síria (Foto: Observatório Sírio para os Direitos Humanos)

O caso de Shamima chamou a atenção dos britânicos para o problema e hoje divide a população local. Enquanto alguns aprovam a perda de cidadania sob o argumento da segurança nacional, outros partem em defesa da jovem, alegando que ela era apenas uma criança quando deixou o Reino Unido e foi enganada pelos membros do EI.

O governo norte-americano defende o retorno dos cidadãos a seus países, justificando que representam um perigo maior se deixados nos campos de prisioneiros à mercê de influenciadores extremistas. Existem hoje por volta de 60 britânicos presos na Síria e 11 casos de cidadãos que foram repatriados.

Letta Tayler, pesquisadora de terrorismo global da HRW, contesta a intransigência de Londres. “Enquanto aliados próximos, como os EUA, repatriam muitos de seus cidadãos, o Reino Unido se contenta em abandonar a maioria de seus cidadãos à detenção ilegal e indefinida em condições infernais dentro de uma zona de guerra”, diz ela.

O caso de Shamima vinha sendo julgado desde novembro pela Comissão Especial de Apelações de Imigração, a quem cabem os processos de perda de cidadania. A decisão contrária ao pedido da jovem foi anunciada na quarta-feira (22), mas ainda cabe recurso. Na sentença, a corte alega que ela é cidadã de Bangladesh, como os pais. O país asiático, porém, também não a reconhece como cidadã.

Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em fevereiro deste ano, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já o sucessor dele, Abu al-Hassan al-Hashemi al-Qurashi, foi morto em novembro, segundo anunciou o próprio grupo.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro de 2022, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também continua a ser um desafio, pois impede as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumenta as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Outro risco que o grupo oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los a seus países de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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