Na ONU, países ocidentais pressionam o Mali devido à proximidade com o Wagner Group

Organização paramilitar russa é acusada de coordenar massacre em vila controlada por extremistas islâmicos no norte do país africano

Países ocidentais, incluindo os EUA e membros da União Europeia (UE), questionaram o tipo de suporte dado pelos mercenários russos do Wagner Group ao governo do Mali. Eles se manifestaram durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) na terça-feira (2), em Genebra, segundo informou a agência Al Jazeera.

Entre as questões abordadas, alegações de que a organização paramilitar, que está atuando ao lado das forças do governo maliano em sua luta contra grupos extremistas islâmicos no norte do país, teve papel em um massacre de civis em março de 2022 em Moura, uma vila controlada por jihadistas. Na ocasião, entre 350 e 380 pessoas foram mortas durante quatro dias de intervenção. A Rússia nega a matança.

“Estamos particularmente preocupados com a presença e as ações do Wagner Group“, disse a enviada canadense Patricia Lyn McCullagh ao Conselho durante uma revisão do histórico de abusos dos direitos humanos no Mali, um processo ao qual todos os Estados-Membros das Nações Unidas estão sujeitos.

Mercenários do Wagner Group em ação na Ucrânia (Foto: VK/Reprodução)

A junta militar do Mali, que tomou o poder após um golpe em maio de 2021, alega que os russos no país são instrutores e “não estão em funções de combate”. Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços do Wagner Group seria de US$ 10,8 milhões (cerca de R$ 56,7 milhões) por mês, dinheiro que vem da extração de minerais. Os combatentes ainda seriam responsáveis pelo treinamento de militares do Mali, bem como estariam dando proteção a oficiais graduados.

A ONU disse que seus investigadores tiveram acesso negado ao local em que ocorreu o massacre há um ano.

“Recomendamos que o Mali conduza uma investigação credível sobre as violações dos direitos humanos e abusos cometidos durante as operações de segurança realizadas com as forças do Wagner apoiadas pelo Kremlin em Moura em março de 2022, conforme prometido no Conselho de Segurança da ONU, e responsabilize os autores”, disse Michele Taylor, embaixadora dos EUA no Conselho.

De acordo com o diretor da justiça militar do Mali, coronel Boubacar Maiga, uma equipe de investigadores já trabalha na apuração dos fatos. No entanto, acrescentou que o acesso tem sido dificultado pelo fato de o país estar “em guerra”.

Presente na reunião, a representante russa Maria Molodtsova disse que os mortos no massacre não eram civis, e sim combatentes islâmicos, e que a operação militar “contribuiu para a paz e tranquilidade em Moura”.

“Os mortos [em Moura] eram militantes de grupos terroristas que oprimiam a população há anos”, justificou.

A ação dos mercenários na África, respaldada por acordos de segurança entre governos nacionais e o Kremlin, vem aumentando os temores sobre o impacto de tais intervenções ao redor do continente.

Com o aumento vertiginoso da influência de Moscou na região, o Wagner chegou em 2021 a Bamaco após fechar um acordo com seus novos governantes militares. Tal aperto de mãos teve a oposição da França, que mais tarde optou por retirar suas tropas do país africano, do qual era parceira na luta contra a insurgência islâmica.

Segundo o general francês Laurent Michon, comandante da Operação Bakhane das forças armadas da França, a retirada de suas tropas do Mali não tem relação direta com a chegada dos mercenários. Ele diz que o governo militar maliano sempre deixou claro seu desejo de “nos ver partir sem demora”.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

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