Golpe no Níger destaca desafio à democracia na África Ocidental

Segundo artigo, não está claro se o golpe pode ser revertido sem desestabilizar ainda mais a região, mas a erosão democrática deve ser contida

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Chatham House

Por Paul Melly

Na manhã de 26 de julho, soldados leais ao general Abdourahamane Tiani detiveram o presidente do Níger, Mohamed Bazoum. Naquela noite, eles declararam um golpe militar total pelo Conselho Nacional de Salvaguarda da Pátria (CNSP).

Uma barragem de três semanas de condenação internacional e sanções econômicas não conseguiu quebrar a determinação do militar de manter o poder.

O golpe representa um desafio que se estende muito além do Níger. As apostas são altas para a África Ocidental, uma região que já viu seis golpes em três anos, já que uma política emergente de ‘populismo golpista’ ameaça o progresso democrático duramente conquistado.

Sem compromisso à vista

O CNSP tentou forçar Bazoum a renunciar na esperança de se redefinir como gestores pragmáticos de uma transição política. Até agora, ele se manteve firme. Em resposta, o CNSP ameaça acusar Bazoum de ‘alta traição’.

Até agora, os líderes do golpe se recusaram terminantemente a se envolver com a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a União Africana (UA) ou mesmo as Nações Unidas: a primeira delegação de Abjua não foi além do aeroporto, enquanto a segunda foi avisada antes de tentar a viagem.

A CEDEAO respondeu da mesma forma, impondo imediatamente pesadas sanções econômicas e ameaçando uma intervenção militar se a junta não restaurar Bazoum no cargo.

As sanções já são mordazes, com o preço dos alimentos importados em alta e o fornecimento de energia agora sujeito a interrupções esporádicas.

Mohamed Bazoum, presidente deposto do Níger (Foto: WikiCommons)
Motivos do golpe

Os líderes do golpe afirmam ter sido motivados por preocupações de segurança e governança, justificativas post-hoc que encontraram reações hostis dentro e fora da África.

Embora a democracia do Níger fosse certamente falha, ela também tinha pontos fortes significativos. O presidente Mahamadou Issoufou (2011-21) cumpriu o limite de dois mandatos e a votação para seu sucessor foi amplamente livre e justa.

Uma vez no cargo, Bazoum viajou muito e ouviu uma ampla gama de vozes. Ele também fez progressos significativos em segurança e desenvolvimento, reduzindo a violência jihadista, expandindo o acesso de meninas à educação secundária e apoiando o retorno de aldeões deslocados pelo conflito para casa.

Este histórico é importante porque destaca a motivação essencialmente paroquial e pessoal da junta, particularmente o ressentimento de alguns oficiais com a demissão por Bazoum do chefe de gabinete das forças armadas, general Salifou Mody, em abril, e os rumores de que ele estava prestes a demitir o general Tiani.

O apoio veio apenas de outros regimes militares no Mali, em Burkina Faso e Guiné, e de Evgeny Prigozhin, o chefe autopromovido dos mercenários russo do Wagner Group, que identificou um novo cliente em potencial no Níger.

Isolados e sob pressão, os líderes do golpe podem sentir que não têm outra opção a não ser dobrar a pressão.

Grandes apostas para a CEDEAO

Para a CEDEAO, o futuro da democracia na África Ocidental está em jogo. Em um ponto alto em 2017, o governo constitucional liderado por civis prevaleceu em todos os 15 países da África Ocidental.

No entanto, a região já viu seis golpes militares em menos de três anos, incluindo dois em Mali e dois em Burkina Faso. Décadas de progresso longe dos regimes autoritários do passado estão em perigo.

A natureza do golpe no Níger aumentou ainda mais essas preocupações. No Mali, em Guiné e Burkina Faso, houve fatores estruturais que explicaram a mudança política, por mais indesejada que fosse sua forma.

O presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, negligenciou as regiões norte e centro, as eleições foram manipuladas e os protestos urbanos, reprimidos com força letal.

O presidente da Guiné, Alpha Condé, fraudou um referendo constitucional para um terceiro mandato, enquanto Roch Marc Christian Kaboré, de Burkina Faso, parecia perdido diante dos ataques jihadistas que causaram repetidamente pesadas baixas no exército.

Em comparação, os motivos por trás do golpe no Níger parecem estreitos e míopes, uma tomada de poder antiquada que sacrifica a estabilidade e o progresso gradual no desenvolvimento e na segurança para o ganho pessoal de alguns líderes militares de elite.

O golpe coloca em risco a campanha contra os grupos jihadistas – os ataques de militantes aumentaram nos últimos dias à medida que a junta convoca tropas para Niamey – e corre o risco de fraturar uma política nacional relativamente coesa até então.

Um desafio ideológico emergente

A tendência acelerada de golpes militares na África Ocidental evoluiu para um desafio ideológico mais fundamental ao modelo de longa data da CEDEAO de governo constitucional e pluralista liderado por civis, reforçado por um desenvolvimento próximo e parcerias militares com o Ocidente e o sistema da ONU.

Uma nova marca de regimes militares está se enraizando em um contexto em que os jovens africanos ocidentais urbanos estão cada vez mais desencantados com a classe política tradicional e há um ressentimento generalizado contra a França, a antiga potência colonial e parceira externa mais visível em muitos países.

O fato de o Níger poder cair, apesar de seu progresso em métricas familiares de democracia e segurança, destaca que as raízes dos golpes da África Ocidental estão não apenas na má governança ou na política palaciana, mas também na complexa interação de identidades emergentes, novas atitudes sociais e rejeição popular de política de negócios como sempre.

O rápido aparecimento de bandeiras russas nas ruas de Niamey após o golpe – como na capital de Burkina Faso, Uagadugu, no ano passado – é uma evidência dessas realidades sociais complexas, e não uma medida da influência russa.

Os líderes regionais estão cientes dessas duras verdades. A CEDEAO deve descobrir com urgência como lidar com a erosão democrática na África Ocidental.

Quanto ao Níger, ainda não está claro se o golpe pode ser revertido sem desestabilizar ainda mais a região.

A CEDEAO falhou em garantir o apoio popular – ou o apoio de outros Estados-Membros da UA – por sua ameaça de usar a força contra a junta nigerina. As sanções, por sua vez, são um instrumento contundente que permite aos golpistas se apresentarem como defensores das pessoas submetidas à adversidade pelo bullying de vizinhos da região.

Isso deixa apenas a lenta e sem glamour, mas ocasionalmente eficaz, opção: política e diplomacia.

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