Jihadistas são suspeitos de raptar ao menos 50 pessoas, a maioria mulheres, na Nigéria

Área onde ocorreu o ataque, perto da fronteira com Camarões e Chade, é controlada por uma facção do Estado Islâmico

Ao menos 50 pessoas, a maioria mulheres, foram raptadas no nordeste da Nigéria na segunda-feira (4), embora o governo local só tenha revelado a ocorrência na quarta (6). Acredita-se que a ação tenha sido realizada por um grupo extremista islâmico.

As autoridades nigerianas não apontaram qual organização é responsável, mas a área onde ocorreu o ataque, perto da fronteira com Camarões e Chade, é controlada pelo ISWAP (Estado Islâmico da África Ocidental).

Diferente do governo, que mantém a dúvida quanto aos responsáveis, integrantes de uma milícia armada de combate ao extremismo acusaram diretamente o ISWAP, segundo a rede Deutsche Welle. Outra facção islâmica atuante nas proximidades é o Boko Haram, embora sua presença seja menor.

Os agressores atacaram pessoas abrigadas no campo para deslocados internos de Ngala. Elas haviam se afastado do local para coletar lenha nas margens do Lago Chade quando foram raptadas por homens fortemente armados.

Testemunhas dizem ao menos 47 das 50 vítimas são mulheres, embora fontes do governo admitam a possibilidade de que o número de vítimas seja bem maior. Uma mulher que conseguiu escapar dos jihadistas disse à agência Reuters que os reféns foram obrigadas a cruzar a fronteira rumo ao Chade.

Ação do exército da Nigéria contra grupos armados: país sofre com a insurgência islâmica (Foto: reprodução/Facebook)
Boko Haram x ISWAP

O ISWAP foi formado por dissidentes do Boko Haram que se afastaram de Abubakar Shekau, seu notório ex-comandante. A organização, que é uma facção do Estado Islâmico (EI), realiza sobretudo ataques de alto perfil contra alvos militares e  trabalhadores humanitários, mas ultimamente passou também a raptar civis.

O Boko Haram, por sua vez, é ligado à Al-Qaeda e luta para criar um califado islâmico no nordeste nigeriano. O grupo, porém, coleciona derrotas e se enfraqueceu bastante desde a morte de Shekau em 19 de maio de 2021, justamente em confronto com o ISWAP.

África vira reduto dos jihadistas

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, EI e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro de 2022, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, líder da facção. Em outubro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto. Um terceiro líder do grupo, Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, foi morto em abril de 2023.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU divulgado no final de maio de 2023.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como a base da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto de 2022.

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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