Na Nigéria, onda de violência é desafio que vai além da jihad do Boko Haram

Crise interétnica e entre gangues já forçou país a decretar estado de emergência; conheça as regiões mais afetadas

O grupo terrorista Boko Haram não é o único desafio de segurança da Nigéria. Pelo contrário: o país africano enfrenta um “estado de emergência” devido à insegurança contínua em diversas partes do país, como já classificou o presidente Muhammadu Buhari.

A violência armada não ocorre em todo o território, mas em corredores geográficos específicos. Há conflitos envolvendo gangues, políticos e etnias que também colocam em risco a segurança da nação mais populosa da África, com 174 milhões de habitantes, onde a taxa de desemprego chega a 33%.

Com informações do think tank norte-americano Africa Center for Strategic Studies, entenda a atual situação da violência em todo o território nigeriano.

Além do Boko Haram, Nigéria vive onda de violência entre gangues, políticos e etnias
Jovem em sua nova casa em Gwoza, Nigéria, após fugir dos ataques do Boko Haram no estado de Borno, em maio de 2019 (Foto: Unicef/Marko Kokic)

Boko Haram e grupos extremistas

Dominante no estado de Borno, noroeste da Nigéria, o Boko Haram é a principal ameaça de segurança do país. Com o ISWA (Estado Islâmico na África Ocidental), o grupo extremista é o responsável por todos os eventos violentos na região desde 2015.

À época, o governo central lançou uma ofensiva contra o grupo, que acabou desalojado de seus esconderijos – isolados até então. A partir dali, os extremistas passaram a montar uma série de ataques e invasões transfronteiriças em cidades e vilas de Borno até isolar a capital do estado, Maiduguri.

Assaltos, minas terrestres e postos de controle permanentes tornaram as rodovias de Borno intransitáveis, o que serviu para a rápida dominação do território e dos civis que permanecem na região. Hoje o grupo possui uma renda significativa e suprimentos militantes para garantir sua permanência no local.

As gangues e os sequestros

Os sequestros em massa como os das meninas de Zamfara, em março, se tornaram um negócio “lucrativo” para gangues criminosas no noroeste da Nigéria nos últimos cinco anos. Depois de 2014, quando o Boko Haram sequestrou as estudantes de Chibok, o governo foi forçado a responder – com dinheiro.

Relatos locais apontam que o governo de Buhari teria pago aos criminosos para garantir a libertação dos reféns – em sua maioria crianças e adolescentes – apesar da negativa do presidente.

Denúncias já deram conta de que funcionários do governo se beneficiavam com as grandes quantias usadas no pagamento da libertação, em um país com altos índices de corrupção e violência.

Além dos sequestros, as gangues locais costumam invadir e entrar em confronto por minas de ouro artesanais. A corrida pelo metal atrai jovens pobres e desempregados, que veem na criminalidade uma forma de sobreviver. Só no estado de Zamfara, seriam dez mil criminosos espalhados por 40 campos, a maioria nas florestas.

Além do Boko Haram, Nigéria vive onda de violência entre gangues, políticos e etnias
Vídeo divulgado pelo Boko Haram em agosto de 2016 mostra parte das meninas sequestradas em escola de Chibok, na Nigéria, em 2014 (Foto: Reprodução/Youtube/Boko Haram)

Fazendeiros e pastores

Um corredor de confrontos entre fazendeiros e pastores sai da região central de Zamfara e se estende até o sul da Nigéria, em uma disputa que envolve a formação de milícias étnicas e execuções extrajudiciais. A região, conhecida como Cinturão Médio, é repleta de planícies férteis e, por décadas, abrigava em sua maioria pastores nômades e agricultores.

A chegada da seca e as grandes alocações de terras para grandes proprietários, porém, afastaram os pastores de suas rotas de passagem, que diminuíram em 38% entre 1975 e 2013, confirme análise do Serviço Geológico dos EUA.

Na região, os habitantes falam dezenas de línguas distintas e pouca unidade política, o que contribui para a “politização” dos confrontos por grandes latifundiários e políticos nigerianos.

Agricultores e pastores ganham as alcunhas de “colonos” contra “indígenas” – e há alegações de limpeza étnica. A violência entre os grupos já expandiu as milícias organizadas e se espalha, cada vez mais, rumo ao sul do país.

Separatismo

No estado de Biafra, atividades separatistas voltaram à tona nos últimos anos e geram violentos confrontos entre as forças de segurança da Nigéria e milícias locais. Em dezembro, a emissora de rádio Ipob (Povo Indígena de Biafra) estabeleceu a chamada Rede de Segurança Oriental, que opera como força paramilitar na região.

Tribunais nigerianos já buscam classificar o Ipob como grupo terrorista. O ex-líder da Frente de Salvação dos Povos do Delta do Níger, Asari Dokubo, anunciou a formação de um governo em Biafra em 2021. A disputa separatista remonta à guerra civil que devastou a região entre 1967 e 1970. Mais de um milhão de pessoas morreram no conflito, que pleiteava a independência de Biafra.

Além do Boko Haram, Nigéria vive onda de violência entre gangues, políticos e etnias
Manifestante segura bandeira pelo fim da violência policial na Nigéria na capital do país, Abuja, em outubro de 2020 (Foto: Twitter/Francis Elecha)

Navios piratas e violência policial

Mais de 95% dos sequestros de tripulantes no mundo acontece no Golfo da Guiné, epicentro global da pirataria. Apenas em 2020, 35 desses eventos ocorreram na costa da Nigéria. Há empresas por trás desses ataques, mas suas motivações e origens ainda não foram bem documentadas.

Em terra firme, porém, o que mais preocupa é a violência policial. O fim dos abusos de militares contra civis norteou os protestos pelo fim do Esquadrão Especial Antirroubo, chamado de SARS, em outubro e novembro de 2020. As manifestações, que se notabilizaram sob a alcunha de #EndSARS, denunciavam extorsão, tortura e violações dos policiais.

Há denúncias de perseguição a jornalistas e ativistas, além de execuções extrajudiciais conduzidas pelas tropas de comando. As forças da Nigéria responderam aos protestos com mais violência e dezenas de manifestantes foram mortos nas marchas pacíficas.

No Brasil

Casos mostram que o país é um “porto seguro” para extremistas. Em dezembro de 2013, um levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino. Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos. Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. Saiba mais.

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