Justiça dos EUA condena três envolvidos em campanha global de perseguição a exilados chineses

Entre os réus está um sargento aposentado da polícia nova-iorquina, que vigiou um casal chinês e forneceu informações a Beijing

O Departamento de Justiça norte-americano anunciou na terça-feira (20) que três réus foram condenados em um caso de perseguição a cidadãos chineses que vivem nos Estados Unidos. Os homens foram alvo de diversas acusações, entre elas a de servirem como agentes do governo da China no exterior. O caso está relacionado a uma campanha global orquestrada por Beijing para assediar dissidentes.

Os condenados são dois cidadãos chineses, Congying Zheng e Jason Zhu, e o norte-americano Michael McMahon, sargento aposentado da polícia nova-iorquina. O ex-policial pode ser condenado a até 20 anos de prisão, enquanto a pena máxima prevista para os outros é de dez e 25 anos, respectivamente.

McMahon e Zhu “conscientemente agiram sob a direção de funcionários do governo da RPC (República Popular da China) para conduzir vigilância e se envolver em uma campanha para assediar, perseguir e coagir certos residentes dos Estados Unidos para que retornassem à RPC como parte de um esforço de repatriação global e extralegal conhecido como ‘Operação Fox Hunt’.” Zheng, por sua vez, se envolveu na perseguição deixando um “bilhete ameaçador” na residência das vítimas. 

Sede do Departamento de Justiça dos EUA, em Washington (Foto: Facebook/Department of Justice U.S.)

Breon Peace, procurador-geral para o Distrito Leste de Nova York, disse considerar “particularmente preocupante” que McMahon tenha se envolvido no caso, por se tratar de um ex-oficial da polícia norte-americana que serviu a um governo estrangeiro por dinheiro.

“Permaneceremos firmes em expor e minar os esforços do governo chinês para atravessar nossa fronteira e perpetrar esquemas de repressão transnacional visando vítimas nos Estados Unidos em violação de nossas leis”, disse Peace.

O caso de Nova York

Os nomes das vítimas não foram revelados no processo, no intuito de preservá-las. São um cidadão chinês que vive nos EUA e a mulher dele.

O governo chinês fez uso do sistema da Interpol para emitir um “alerta vermelho” contra o casal, sob a alegação presumidamente falsa de que ambos eram procuradas pelo governo chinês em “acusações relacionadas à corrupção”. No entanto, ao longo da campanha de assédio, Beijing chegou a propor que apenas o homem retornasse à China, com a mulher autorizada a permanecer nos EUA.

McMahon, que vinha atuando como investigador particular desde que se aposentou da polícia, colaborou ao aceitar dinheiro para vigiar as vítimas e parentes delas. Ele registrava a rotina das pessoas e repassava as informações a Zhu e outros funcionários do governo chinês que também estão sendo julgados.

Beijing chegou a enviar aos Estados Unidos o pai da vítima, um senhor de 81 anos que recebeu a missão de convencer o filho a retornar à China. Para pressionar o idoso, o governo chinês disse que a filha dele que vive no país asiático seria presa caso o filho não cedesse.

Durante a onda de ameaças, Zheng deixou na residência do casal um bilhete ameaçando também a filha deles, que vive nos EUA e cuja idade não foi citada: “Se você estiver disposto a voltar ao continente e passar dez anos na prisão, sua esposa e filha ficarão bem. Esse é o fim deste assunto”, dizia a nota.

Anteriormente, três outros réus já haviam se declarado culpados por suas atuarem na campanha de assédio e intimidação orquestrada pelo governo chinês. Os três aguardam o anúncio das sentenças.

Rastreamento e perseguição

O caso julgado nesta semana é parte de uma campanha global de Beijing que faz uso não apenas de agentes no exterior, mas também de estações de polícia instaladas em países estrangeiros. A revelação foi feita pela ONG de direitos humanos Safeguard Defenders, da Espanha, em setembro do ano passado.

À época da denúncia, ao menos 54 estações funcionavam em todo o mundo, com o objetivo de assediar cidadãos chineses no exterior. Desde então, diversos países passaram a investigar a prática e a fechar os estabelecimentos.

Nova York tem um desses centros, que nasceram como associações comunitárias de cidadãos de uma mesma região chinesa, como o objetivo de fornecer apoio administrativo a turistas e imigrantes, por exemplo na confecção de documentos. Com o tempo, porém, passaram a ser usados para reprimir dissidentes e cidadãos chineses acusados de crimes em seu país.

Na maioria dos casos, os locais operam um sistema online que coloca o cidadão chinês em contato com as autoridades na China. Os indivíduos são muitas vezes convencidos, sob pressão, a retornar ao território chinês para enfrentar a justiça local. Há indícios de envolvimento ativo das estações no rastreamento e na perseguição dos alvos em países estrangeiros.

Chineses repatriados

Dados da Safeguard Defenders apontam que, entre abril de 2021 e julho de 2022, 230 mil chineses “foram devolvidos para enfrentar possíveis acusações criminais na China” com ajuda dos centros de polícia. Os métodos adotados “geralmente incluem ameaças e assédio contra membros da família em casa ou diretamente contra o alvo no exterior, seja por meio online ou físico”. Para todos os efeitos, o governo chinês alega que os repatriados são acusados de algum crime.

Com a ajuda desses centros, Beijing impõe vigilância estatal e persegue inclusive grupos étnicos, com destaque para tibetanos e a minoria muçulmana uigur, bem como suas famílias.

Dois “centros de serviço” chineses operam o Brasil, sendo um em São Paulo e o outro no Rio de Janeiro. Entretanto, a Safeguard Defenders afirma que não há registro de assédio contra chineses nessas estações, que aparentemente vêm sendo usadas somente para dar apoio administrativo a turistas e imigrantes.

Tags: