China abre Congresso Nacional do Povo para concentrar ainda mais o poder nas mãos de Xi

Analistas projetam a reestruturação dos sistemas político e jurídico e uma maior submissão do Estado ao Partido Comunista

A sede de poder de Xi Jinping não tem limites. Depois de se manter à frente do governo da China para um inédito terceiro mandato, tornando-se o líder nacional mais poderoso desde Mao Tsé-Tung, o secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCC) abre o Congresso Nacional do Povo, neste domingo (5), disposto a concentrar ainda mais o comando do país em suas mãos.

O evento anual, que em 2023 terá início neste final de semana, reunirá cerca de três mil delegados da sigla no Grande Salão do Povo, na Praça da Paz Celestial, palco do massacre de manifestantes pró-democracia de 1989. A nova equipe econômica do governo será apresentada, bem como os planos de Xi para uma restruturação do Estado e do PCC.

Na última terça-feira (28), em uma reunião da cúpula do governo que antecede o Congresso, o líder chinês disse que a reforma institucional, já em andamento, será “mais relevante, mais intensiva, terá um alcance mais amplo e tocará em interesses mais profundos”, segundo a emissora estatal CCTV. A meta, de acordo com o tabloide partidário Global Times, é “tornar as decisões do partido mais eficazes”.

Xi Jinping: poder ampliado no terceiro mandato à frente do governo chinês (Foto: UN Geneva/Flickr)

Os detalhes da reestruturação ainda não são conhecidos. Porém, o analista político Hong Xiangnan, que vive no Japão, diz que o setor de segurança terá papel central no processo, de acordo com a rede Radio Free Asia (RFA).

A expectativa dele é de que o Ministério da Segurança Pública, que gere a polícia, e o Ministério da Segurança do Estado, que cuida da segurança doméstica e das operações de inteligência no exterior, tendem a ser colocados sob o guarda-chuva do partido. Ou seja, a influência de Xi na tomada de decisões concernentes à segurança será ainda maior.

“A única maneira disso acontecer é o fortalecimento do partido às custas do Estado. Os departamentos do governo serão transformados em escritórios administrativos, encarregados de executar recados e fazer o trabalho pesado”, disse ele. “Eles vão realizar o trabalho administrativo básico, mas o núcleo da formulação de políticas será retirado e irá fortalecer a liderança do partido”.

Wen-Ti Sung, cientista político da Universidade Nacional Australiana, reforça essa expectativa. “Provavelmente implicará em uma maior incorporação de ministérios do Conselho de Estado ao partido, sob o nome de liderança abrangente do partido”, afirmou ele, segundo a agência Reuters.

Dentro desse processo, Hong prevê ainda o surgimento de um poderoso comitê de gestão de assuntos internos regido pelo PCC, nos moldes do Comissariado do Povo para Assuntos Internos (NKVD) da extinta União Soviética. As funções do órgão soviético eram amplas, como tende a ser na China, indo desde a manutenção da ordem revolucionária interna e da segurança do Estado até incumbências burocráticas como nascimentos e óbitos, casamentos e divórcios.

O jornal pró-China Lianhe Zaobao, de Singapura, disse também que rumores internos no governo sugerem reformas relevantes do sistema político e jurídico, mas não deu maiores detalhes. “É uma reforma que vai na direção oposta à separação entre partido e Estado”, disse ao periódico Lu Xi, professor assistente da Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas da Universidade Nacional de Singapura.

Poder crescente

Nos últimos anos, sob o governo de Xi Jinping, tem crescido cada vez mais a subordinação do Estado ao partido. Antes, departamentos governamentais serviam como um obstáculo considerável aos projetos do presidente, freio que tem se tornado cada vez menos eficiente. E isso tende a se intensificar após o Congresso que começa domingo, que mais uma vez terá o líder nacional como centro das atenções.

Em novembro de 2021, o PCC publicou a terceira edição de sua “resolução histórica”, documento que aborda as principais realizações e as direções futuras a serem seguidas pela sigla e, consequentemente, pela China. Acima de tudo, o texto foi uma tentativa de elevar a imagem de Xi ao mesmo patamar do de algumas da principais figuras da história do país.

“Ele tenta se colocar como o herói da épica jornada nacional da China”, analisou à época Adam Ni, editor da China Neican, uma newsletter focada em assuntos do país asiático. “Ao levar a cabo uma resolução histórica que o coloca no centro da grande narrativa do Partido e da China moderna, Xi demonstra seu poder”, disse ele à rede britânica BBC.

Para alguns analistas, como o jornalista londrino Gwynne Dyer, Xi “até incentiva o culto à personalidade“, algo que o partido “conseguiu evitar desde a catástrofe do presidente Mao Tsé-Tung”. Outro jornalista, o norte-americano Nicholas Kristof, segue pelo mesmo caminho: “Xi cultivou meticulosamente um culto à personalidade em torno de si mesmo como o gentil “Tio Xi” – cujo slogan poderia ser “Tornar a China Grande Novamente”, afirmou ele, citando o slogan usado pelo ex-presidente do EUA Donald Trump.

Para Ma Ju, um veterano jornalista chinês, as mudanças vão ao encontro do movimento agressivo de supressão das liberdades individuais e de sujeição da vida de todos os cidadãos chineses ao partido. “Vão controlar tudo, planejar tudo e ordenar tudo”, disse ele

Ma acrescentou: “Agora estamos vendo que eles precisam afiar suas facas, tanto para uso externo quanto interno. Eles levarão a China de volta aos anos 1950, criando o Comissariado para Assuntos Internos, ou melhor, colocando a China de volta em uma situação de guerra”.

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