China faz pressão, mas não consegue cancelar fórum sobre a questão uigur em Nova York

Beijing tentou impedir que representantes de outros países participassem de evento paralelo à Assembleia Geral da ONU

Especialistas e diplomatas disseram na terça-feira (19) que o governo chinês está movendo uigures dos chamados campos de “reeducação” para o sistema penal regular, enquanto afirma que está fechando esses centros. A questão foi debatida em um fórum ocorrido paralelamente à Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) em Nova York, apesar da tentativa de Beijing de esvaziar a reunião. As informações são da rede Radio Free Asia.

Diplomatas chineses tentaram prejudicar o evento ao enviar uma carta alertando as missões estrangeiras contra a participação. O painel de especialistas em direitos humanos criticou essa interferência, enquanto a embaixadora dos EUA, Beth Van Schaack, agradeceu aos participantes por enfrentarem as tentativas da China de “intimidar e silenciar vozes” que defendem os princípios humanitários.

Ela ainda caracterizou a carta enviada pela missão chinesa na ONU como parte de uma “ampla campanha global de repressão transnacional direcionada à minoria muçulmana”, que em sua maioria reside na região de Xinjiang, no extremo oeste da China.

Criança uigur em mercado de Hotan, região de Xinjiang (Foto: Wikimedia Commons)

Sophie Richardson, diretora da ONG Human Rights Watch (HRW) na China, mostrou uma cópia da carta que a China enviou, a qual pedia que ninguém comparecesse ao evento. Ela enfatizou a importância de ter muita gente na sala, afirmando que “qualquer governo que tentasse impedir isso não parece adequado para fazer parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU”. Richardson argumentou que essa atitude sugere que Beijing tem informações a esconder e destacou a importância moral do evento.

Gady Epstein, editor da revista The Economist e moderador do fórum, observou que as notícias sobre Xinjiang têm recebido menos destaque recentemente, enquanto surgem informações sobre o fechamento de alguns campos de reeducação.

A secretária-geral da ONG Anistia Internacional (AI), Agnès Callamard, explicou que essa redução de atenção não reflete mudanças substanciais na situação em Xinjiang. Ela afirmou que embora possa haver variações em como as violações estão ocorrendo, a natureza fundamental dessas violações “não mudou”.

Rayhan Asat, advogado uigur de direitos humanos e membro do think tank voltado a políticas internacionais Atlantic Council, organizador do painel, destacou que parte da campanha de repressão da China envolve métodos cruéis para silenciar os uigures que vivem fora do país.

Ele enfatizou que uigures-americanos que residem nos Estados Unidos ainda estão sob a influência da China, que usa suas famílias e entes queridos como forma de pressão, essencialmente mantendo-os como reféns.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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