Expatriados de Hong Kong no Reino Unido são impedidos de acessar suas pensões

Ativistas enxergam a medida como um forma de punir aqueles que deixaram o território semiautônomo em meio à repressão política

Dezenas de milhares de cidadãos de Hong Kong que foram viver no Reino Unido estão sendo impedidos de acessar US$ 2,4 bilhões em ativos de pensão, denunciou a ONG de direitos humanos Hong Kong Watch. Os ativistas veem a medida como um forma de retaliação do governo local contra aqueles que deixaram o território semiautônomo em meio à repressão política. As informações são da rede Radio Free Asia.

Segundo a ONG com sede em Londres, mais de 90 mil honcongueses estão sendo punidos por emigrar sob o esquema de vistos British National Overseas (BNO), uma classe de nacionalidade britânica associada à ex-colônia.

Após a repressão aos gigantescos protestos pró-democracia em Hong Kong em 2019, o governo britânico ofereceu a milhões de residentes da cidade um caminho para a cidadania sob o programa BNO, uma medida que irritou as autoridades chinesas.

Aeroporto internacional de Hong Kong (Foto: Countries in Colors/Flickr)

De acordo com uma investigação recente do grupo, os bancos entraram em contato com vários honcongueses que tentaram sacar fundos do plano de poupança compulsório do Fundo de Previdência Obrigatório (MPF, da sigla em em inglês) da cidade, alegando que haviam deixado a cidade permanentemente, para informá-los de que os pedidos haviam sido rejeitados.

As cartas enviadas pelos bancos usaram como justificativa uma orientação dada pelo governo de Hong Kong em março de 2021, que afirma que “o passaporte nacional britânico no exterior não pode mais ser usado como parte de um pedido de retirada de poupança acumulada de pensão”.

A Hong Kong Watch culpou o Ministério das Relações Exteriores da China por revogar o reconhecimento dos passaportes nacionais britânicos no exterior, dizendo que se trata de uma violação das promessas britânicas antes da transferência de 1997, quando, após um século e meio como colônia do Reino Unido, o território foi devolvido à China.

“A ação retaliatória do governo chinês de não mais reconhecer o passaporte nacional britânico (no exterior) é projetada para punir financeiramente aqueles que deixam o território e é uma violação grosseira de suas obrigações sob o tratado e as disposições constitucionais que regem a transferência”, disse Sam Goodman, diretor de política e defesa da Hong Kong Watch.

Dinheiro perdido

Na visão de advogados especialistas em pensões, os detentores de BNO de Hong Kong devem ter direito a acessar seus fundos depois de obterem a cidadania britânica completa, para a qual podem se qualificar após cinco anos, já que a autoridade do MPF deve aceitar um passaporte britânico como prova de realocação permanente.

Para o veterano jornalista local Joseph Ngan, a medida retaliatória deve tornar cada vez mais improvável que as pessoas que foram embora de Hong Kong após os protestos de 2019 recebam o dinheiro a que têm direito.

“Parece que o governo de Hong Kong quer tornar as coisas o mais difíceis possível”, disse.

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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