Hong Kong inicia processo para estabelecer uma nova e mais dura lei de segurança nacional

Texto em vigor, que será substituído, foi imposto pela China em 2020 e silenciou todas as vozes que faziam oposição ao governo

“As ameaças à segurança nacional são reais.” Sob essa justificativa, o chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, anunciou nesta semana que foi iniciado o processo para futuramente estabelecer uma nova lei de segurança nacional, que substituirá a atual, imposta pela China em 2020. A fim de punir crimes como traição, insurreição, espionagem, roubo de segredo de Estado e interferência estrangeira, o novo texto legal tende a ser ainda mais rígido que o atual, fortalecendo a repressão mesmo após os pedidos por democracia terem sido silenciados, com a liberdade de expressão praticamente abolida no território.

A atual lei de segurança nacional foi uma resposta da China aos protestos populares de 2019 em Hong Kong, que inicialmente tinham como objetivo contestar uma lei de extradição que vinha sendo debatida e acabou derrubada.

Aos poucos, as manifestações ganharam maior abrangência, contestando a submissão ao regime chinês e a repressão estatal e clamando por democracia e independência. A resposta veio com o autoritarismo da lei de segurança nacional, que deu ao governo o poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos.

 A normativa legal vigente classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua. De acordo com a rede Deutsche Welle (DW), quase 300 pessoas foram presas acusadas de crimes abraçados pelo texto, sendo que mais de 30 foram julgadas e condenadas.

Bandeiras de Hong Kong (esq.) e China lado a lado (Foto: Lianqing Li/Flickr)

Para Lee, entretanto, as ferramentas legais a serviço do governo ainda são insuficientes, e uma nova lei se faz urgentemente necessária. “Não deveríamos esperar mais”, disse ele em entrevista coletiva na terça-feira (30), de acordo com a agência Associated Press (AP). “As ameaças à segurança nacional são reais. Experimentamos todas essas ameaças. Sofremos muito com elas.”

Mais que um desejo do chefe do Executivo, a nova lei de segurança nacional é uma imposição jurídica. A necessidade de tal mecanismo está prevista no artigo 23 da Lei Básica do território, segundo o qual Hong Kong precisa estabelecer uma legislação própria para substituir a de Beijing.

Reforçando que a medida é uma responsabilidade constitucional, Lee disse ainda que a lei atual dá a falsa sensação de segurança ao regime chinês. Sobretudo contra forças externas. “Embora nós, a sociedade como um todo, pareçamos calmos e muito seguros, ainda temos que estar atentos a possíveis sabotagens, correntes ocultas que tentam criar problemas”, declarou ele, segundo a agência Reuters

Para atingir a meta, o primeiro passou foi abrir uma consulta popular, iniciada na terça e que se estenderá até 28 de fevereiro. Um documento de 110 páginas foi enviado à Assembleia Legislativa, e somente depois disso será redigido o texto legal para análise, alterações e futura aprovação.

O novo texto tem a perspectiva, por exemplo, de prever o crime de sedição, que não consta da lei atual. Devido à brecha legal, o Judiciário passou a adotar uma manobra jurídica para punir os cidadãos, usando os poderes conferidos pela lei chinesa para aplicar normas da era colonial que previam a sedição.

A nova lei também visa a atender o Partido Comunista Chinês (PCC) e seu líder, o presidente chinês Xi Jinping. Em 2022, por conta do Dia Nacional da China, ele usou o discurso para destacar a importância da lei de segurança nacional, criticando os protestos de 2019 e alertando para o risco de eles se repetirem.

“Após experimentar vento e chuva, todos podem sentir dolorosamente que Hong Kong não pode ser caótica e não deve se tornar caótica novamente. O desenvolvimento de Hong Kong não pode ser adiado novamente, e qualquer interferência deve ser eliminada”, disse Xi na oportunidade.

Lee seguiu pelo mesmo caminho no discurso desta semana. “A nova lei visa criar um ambiente estável e seguro para que, quando as pessoas nos atacarem, estejamos protegidos. Esta é uma lei para dizer às pessoas para não nos atacarem”, disse ele, segundo o jornal South China Morning Post. “Espero que as pessoas vejam a lei e saibam que podem tentar em outro lugar em vez de Hong Kong.”

Esta não é a primeira tentativa de implantação da lei, mas agora o processo tende a ser bem sucedido. O anterior, em 2003, acabou abortado porque a população se ergueu contra a medida, prevendo o fim das liberdades individuais. Cerca de meio milhão de pessoas foram às ruas protestar, e o governo na ocasião engavetou o projeto. Agora, com a dissidência praticamente eliminada, não existe obstáculo à vista.

Questionamento britânico

Após a transferência do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional. No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Quem desaprova a lei de segurança nacional é o Reino Unido, sob o argumento que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia a promessa de que as liberdades individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

A Anistia Internacional também se manifestou. “Este é potencialmente o momento mais perigoso para os direitos humanos em Hong Kong desde a introdução da lei de segurança nacional em 2020. A nova legislação proposta pelo artigo 23 poderá consolidar ainda mais a repressão na cidade”, disse a diretora da ONG, Sarah Brooks.

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