Lei obrigará professores de Hong Kong a denunciar estudantes e colegas por ‘violações’

Professores que não denunciarem atividades ilegais ou “informações moralmente desviantes” podem perder o registro profissional

Professores de Hong Kong serão obrigados a denunciar às autoridades “potenciais violações” das leis da cidade cometidas por alunos e colegas. A medida, imposta através de um código profissional da categoria, marca mais um episódio de repressão à liberdade de expressão no território semiautônomo e ainda incluirá um exame para testar o conhecimento dos educadores sobre a lei de segurança nacional draconiana vigente há dois anos. As informações são da rede Radio Free Asia.

Segundo detalhou o Departamento de Educação por meio de um aviso enviado às escolas, a partir do ano letivo de 2023, todos os professores recém-nomeados em escolas públicas serão obrigados a passar no “Teste de Lei Básica e Lei de Segurança Nacional” para serem considerados para nomeação. A norma irá valer para todos os níveis docentes, incluindo diretores.

As novas diretrizes também determinam que os professores deverão relatar qualquer “potencial violação” da lei cometida nas escolas e universidades ou eventual descumprimento de “padrões morais aceitáveis”, sejam cometidos por alunos ou funcionários.

Estudantes universitários de Hong Kong boicotam aulas em protesto em 2012 (Foto: WikiCommons)

Educadores que infringirem a lei poderão ter de responder judicialmente, além de correrem o risco de exclusão do registro de professores pelo departamento, independentemente do resultado de qualquer processo criminal no tribunal, alertou o órgão.

“Ainda que os docentes não sejam condenados por motivos diversos, se os seus atos não forem acolhidos do ponto de vista da profissão docente ou do bem-estar dos alunos, a mesa tomará as medidas cabíveis relativamente ao registo dos seus docentes”, dizem as orientações.

De acordo com o texto, que estabelece uma espécie de “educação patriótica”, os professores têm o dever de “salvaguardar conscientemente a segurança nacional, a ordem social e o interesse público” e “cultivar nos alunos o sentimento de pertencimento ao país”. Postagens de conteúdo “inautêntico ou censurável” nas redes sociais também podem acarretar problemas.

O programa de pensamento crítico de Estudos Liberais, lançado nas escolas de Hong Kong em 2009, foi responsabilizado pelas autoridades chinesas e pela imprensa local pela eclosão das manifestações antigovernamentais e anti-China ocorridas em 2019, atos que levaram à criação da lei de segurança nacional no ano seguinte. Nele, professores e alunos discutiam temas pertinentes à sociedade, como relatou um professor.

“No passado, quando eu era professor em Hong Kong, teríamos discutido as últimas notícias em sala de aula em Estudos Liberais, por exemplo, os protestos das folhas em branco [anti-lockdown] na China continental”, disse um ex-professor que se identificou apenas pelo apelido Vawongsir.

Na opinião de Sung Yun Wing, fundadora da ONG Project Change, que oferece aconselhamento psicossocial e apoio a jovens presos e processados ​​por participarem dos protestos em 2019, é improvável que a juventude no território semiautônomo reaja bem à repressão das autoridades, que tentam empurrar “patriotismo” goela abaixo deles.

“Quanto maior o nível educacional ou profissional, mais difícil é para esses jovens serem reabilitados”, disse ela.

Temas sensíveis

A secretária de Educação de Hong Kong, Christine Choi Yuk-lin, disse no sábado (24) que o governo não estipularia tópicos proibidos nas aulas, como por exemplo um dos mais sensíveis de todos, o Massacre da Praça da Paz Celestial, segundo relatou o site South China Morning Post. O que importa, disse ela, é que as discussões sejam apropriadas e e ajudem a alcançar os objetivos de aprendizagem dos alunos, já que o tempo em sala de aula é “muito precioso”.

“Não vai trazer nada de bom para o aprendizado dos alunos fazer uma discussão baseada em supostas opiniões de algumas pessoas”, declarou Yuk-lin.

Ela ainda acrescentou que os educadores foram aconselhados a não utilizar materiais pedagógicos “desalinhados” com as medidas do governo.

Mais de dez mil pessoas foram levadas sob custódia e 2.800 processadas por conta da lei de segurança nacional, a maioria jovens, ativistas e defensores dos direitos humanos. 

Por que isso importa?

Após se transferir do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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