Obra ‘Pilar da Vergonha’ é apreendida pela polícia em Hong Kong

Polícia de segurança nacional executou mandado de busca e apreendeu controversa escultura dedicada às vítimas do Massacre da Praça da Paz Celestial

Um monumento em memória aos manifestantes pró-democracia mortos no Massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido na China em 1989, foi apreendido pela polícia honconguesa. A obra “Pilar da Vergonha”, do escultor dinamarquês Jens Galschiot, havia sido retirada em dezembro do campus da Universidade de Hong Kong e agora está em poder das autoridades.

O jornal South China Morning Post diz que o trabalho foi retirado do Kadoorie Center em Yuen Long, um centro de pesquisa agrícola administrado pela universidade, na última sexta-feira (5). Galschiot afirma que a escultura foi apreendida pela “polícia como prova contra o Movimento Democrático em Hong Kong”.

O “Pilar da Vergonha”, à época em que ainda estava exposto no campus central da Universidade de Hong Kong (Foto: WikiCommons)

Um dia após a apreensão, o governo de Hong Kong emitiu uma nota dizendo que “o Departamento de Segurança Nacional da Força Policial realizou buscas [em 5 de maio] com um mandado e apreendeu uma exposição relacionada a um caso de ‘incitação à subversão’ sob o Lei de Segurança Nacional”. O trabalho de Galschiot não foi mencionado na declaração.

O secretário de Segurança de Hong Kong, Chris Tang Ping-keung, defendeu a decisão da polícia de confiscar a obra. Ele acrescentou que a remoção não está relacionada ao próximo aniversário do massacre da Praça Tiananmen, em Beijing, que em junho completa 34 anos e continua a ser assunto proibido na China continental.

A ONG DEI (“nossa terra”, em cantonês), sediada na República Tcheca, está liderando uma campanha para garantir a devolução da escultura de Galschiot, tendo lançado uma petição. 

“Insistimos que Jens é o legítimo proprietário do pilar e vamos pedir uma explicação da situação. Precisamos que o ‘Pilar da Vergonha’ seja devolvido ao proprietário e não vamos permitir que eles guardem, escondam e disponham da propriedade privada”, disse um porta-voz da organização à reportagem.

Obra “sediciosa”

A obra, que integra uma série intitulada “Pilar da Vergonha”, também instalada no Brasil e no México, é uma estátua de oito metros que retrata o horror de um dos episódios mais espinhosos e proibidos da história chinesa recente. Ela é formada por 50 corpos empilhados, trazendo como uma de suas características mais chocantes os rostos assustados das pessoas nela representadas.

O trabalho de Galschiot, que também assinou uma homenagem aos mortos no Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no Estado do Pará em 1996, permaneceu no campus da HKU por 24 anos antes da remoção. A reitoria alegou “razões de segurança” e “riscos legais”, além de citar uma portaria que contém uma proibição da era colonial sobre “material sedicioso” (rebelde) contra o governo.

A retirada da estátua do campus ocorreu em meio a esforços das autoridades de Hong Kong para silenciar as atividades alusivas ao massacre de 1989. No dia seguinte à remoção da estátua, duas outras universidades derrubaram monumentos às vítimas do massacre, o qual o número total de mortos nunca foi divulgado pelo governo chinês. Dados do governo britânico reproduzidos pela BBC falam em dez mil vítimas fatais. 

Por que isso importa?

Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia um acordo para que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, fossem preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no trato. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um longo prazo. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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