Alemanha acusa autoridade militar de espionagem para a Rússia

Com o renascimento da espionagem russa no contexto da guerra na Ucrânia, agentes de inteligência do Kremlin estão atuando em massa na Europa e no mundo – e frequentemente caindo

Promotores alemães acusaram na semana passada uma autoridade militar de tentar passar informações secretas à inteligência russa. O suspeito, identificado apenas como Thomas H., está sob custódia desde agosto. Ele é acusado de se aproximar repetidas vezes dos consulados e embaixadas russas nas cidades de Bonn e Berlim desde maio do ano passado, oferecendo cooperação, segundo informações da agência Reuters.

As autoridades alertaram que a Alemanha, um dos principais fornecedores de equipamentos militares para a Ucrânia, tornou-se um alvo central das operações de espionagem russas, que ganharam força desde a invasão russa ao território vizinho em fevereiro de 2022.

Segundo o Ministério Público alemão, em uma ocasião, Thomas H. compartilhou informações obtidas durante o exercício de suas funções, com a intenção de repassá-las a um serviço de inteligência russo.

O presidente russo, Vladimir Putin, assiste a exercícios militares com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu (Foto: WikiCommons)

Ele foi detido em Koblenz, a cidade onde está localizado o departamento de Equipamento, Tecnologias de Informação e Apoio ao Serviço, órgão responsável por compras militares das Forças Armadas alemãs. A polícia realizou buscas em sua casa e local de trabalho. Não foi revelado que tipo de informações o suspeito tentou compartilhar com o Kremlin.

Alvo preferencial

Episódios de espionagemataques cibernéticos e até ações de sabotagem têm se repetido na Alemanha, invariavelmente atribuídos a agentes russos. O maior temor de Berlim é o de que sua infraestrutura crítica seja alvo de Moscou devido ao apoio do governo alemão à Ucrânia na guerra.

Em junho de 2021, o diretor da Agência para a Proteção da Constituição, Thomas Haldenwang, afirmou que a Rússia possui enorme interesse em Berlim, sobretudo nas “áreas políticas”.

A Alemanha é o país com maiores população e economia dentro da União Europeia (UE), o que a torna forte influenciadora no bloco. Inclusive em questões referentes a Moscou. Haldenwang disse que há um “grande número de agentes” russos na Alemanha, quase sempre próximos a pessoas poderosas. “A abordagem está cada vez mais dura e implacável”, afirmou.

Em setembro de 2022, Berlim anunciou que dois funcionários de seu Ministério da Economia estavam sob investigação por suspeita de espionagem em favor da Rússia. Os nomes não foram revelados, apenas que ambos eram responsáveis por questões energéticas sensíveis e teriam ajudado a alimentar o debate pró-Moscou, espalhando críticas ao chanceler Olaf Sholz por suspender o processo de regularização do gasoduto Nord Stream 2.

No início de outubro de 2022, a Deutsche Bahn (DB), operadora do sistema ferroviário alemão, foi alvo de uma ação que interrompeu a circulação de trens de carga e de passageiros por cerca de três horas. O Ministério dos Transportes suspeita de sabotagem, vez que cabos essenciais para a segurança do tráfego ferroviário foram deliberadamente cortados.

Naquele mesmo mês, o Ministério do Interior da Alemanha anunciou a demissão de Arne Schoenbohm, que até então chefiava o Departamento Federal de Segurança da Informação. A proximidade com a Rússia levou à decisão.

Há cerca de dez anos, Schoenbohm fundou um grupo de segurança digital que reúne entidades dos setores privado e público. Porém, no ano passado surgiu a denúncia de que uma empresa participante foi fundada por um agente russo, situação que teria sido ignorada pelo chefe do Departamento Federal de Segurança da Informação.

O destino dos espiões

Eles se misturam tão perfeitamente à sociedade de um país-alvo que amigos, colegas e até mesmo vizinhos não têm ideia de que são espiões russos. Por trás da aparência e rotina suburbana, há agentes bem treinados, como mostrou Sergey Vladimirovich Cherkasov, suposto espião atualmente em prisão preventiva no Brasil, acusado de usar uma identidade brasileira para viabilizar sua atuação a serviço da inteligência de Moscou.

A renovação do aparelho de inteligência de Moscou em meio à guerra com Kiev surge num momento crucial na competição dos russos contra o Ocidente. É uma rede sofisticada, mas não infalível, como o Ocidente vem dando demonstrações com sua contraespionagem. E quando esses agentes conhecidos como “ilegais” são pegos? Qual o destino deles?

As consequências podem variar. Alguns são enviados de volta à Rússia sem julgamento, em troca de agentes de inteligência ocidentais detidos lá, conforme relatado pela rede CBS.

Foi o caso da “Operação Ghost Stories“, coordenada pelo FBI, quando vários espiões russos que residiam nos Estados Unidos foram identificados. Durante mais de uma década, a polícia federal local os monitorou, grampeando suas residências, rastreando seus deslocamentos e, por fim, desmantelando sua rede de comunicações secretas.

Todos os espiões foram posteriormente repatriados para a Rússia sem enfrentar julgamento, como parte de uma troca por quatro agentes de inteligência ocidentais detidos em prisões russas. Entre suas atividades, eles buscavam informações sobre indivíduos interessados em possíveis empregos na CIA (a agência de espionagem norte-americana) e se aproximavam de especialistas nucleares.

Quanto às pessoas que colaboraram com esses espiões, elas podem enfrentar acusações de traição ou colaboração com o inimigo em seus países, como foi o caso em Kharkiv, na Ucrânia. À revista New Yorker, Andriy Kravchenko, um procurador que trabalha com o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), explicou o Artigo 111(1) do código penal ucraniano, que trata da colaboração em territórios recentemente libertados. Segundo ele, a lei, promulgada pelo presidente Volodymyr Zelensky em meados de março do ano passado, define colaboração como “qualquer ação intencional que prejudique a soberania e a integridade territorial do país”.

Em relação à assistência do governo russo, isso varia. Segundo o jornal The Guardian, alguns espiões expostos são recompensados com posições lucrativas em empresas estatais – um caso famoso é o da espiã Anna Chapman, envolvida numa troca de prisioneiros em 2010 com os EUA, nomeada conselheira do CEO de um banco russo. Já outros se sentem abandonados pelo serviço de inteligência russo.

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