Corte europeia diz que a Rússia falhou na investigação do envenenamento de Navalny

Sentença reforça a suspeita de ligação do governo russo com o episódio e lista falhas no procedimento para apurar o que aconteceu

A Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) emitiu na quarta-feira (6) um decisão estabelecendo que a Rússia falhou em sua obrigação de investigar o envenenamento de Alexei Navalny, principal rival doméstico do presidente russo Vladimir Putin e atualmente cumprindo uma pena de prisão superior a 11 anos.

Em 20 de agosto de 2020, durante um voo doméstico de Tomsk para Moscou, Navalny passou mal e ficou inconsciente. Um pouso de emergência foi realizado em Omsk, onde ele recebeu tratamento e foi levado em coma a um hospital, sendo então colocado em aparelhos de suporte vital.

Exames forenses iniciais realizados na Rússia concluíram que “nenhuma substância potente, venenosa, entorpecente ou psicotrópica foi encontrada em amostras tiradas dele ou em outros itens enviados para análise”, segundo a sentença da CEDH.

O rival de Putin foi então transferido para receber tratamento na Alemanha. E, em setembro de 2020, o governo alemão anunciou que testes realizados por laboratórios independentes revelaram “a prova inequívoca da presença de um agente químico nervoso do grupo novichok”, criado pelo governo da extinta União Soviética e tradicional arma da inteligência russa contra dissidentes.

Navalny sobreviveu, mas permaneceu na terapia intensiva por várias semanas, seguidas de vários meses de reabilitação. Ele então passou a culpar Putin pelo envenenamento, uma acusação que o Kremlin nega desde o início.

Navalny em manifestação contra o Kremlin, outubro de 2013 (Foto: Divulgação/Vladimir Varfolomeev)

De acordo com a decisão da CEDH, o inquérito aberto por Moscou para investigar o envenenamento foi tratado sob segredo de justiça, sem que nem mesmo a vítima tivesse acesso às informações. E acrescenta que “o governo [russo] não apresentou nenhuma documentação relativa às diligências investigativas.” 

Ainda de acordo com a corte, o inquérito gerenciado por Moscou não explorou as alegações de um possível motivo político para a tentativa de homicídio, o que deveria ter sido um elemento essencial da investigação.

“O requerente era uma figura proeminente da oposição cujo ativismo, particularmente na luta contra a corrupção, resultou em várias prisões, detenções, condenações criminais e maus-tratos. E, em vários de seus casos perante o Tribunal, ele fez uma reclamação fundamentada de perseguição por motivos políticos”, afirma a decisão da CEDH. 

A corte sentenciou, então, que “a falha das autoridades russas em realizar uma investigação efetiva sobre as alegações críveis de tentativa de homicídio persistiu, apesar de vários apelos de órgãos internacionais ao governo russo para elucidar as circunstâncias do incidente.” 

Sanções, acusações e prisão

Recuperado, Navalny voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.

Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, ele chegou a fazer uma greve de fome de 23 dias em abril de 2021, para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho daquele ano, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais de Navalny e sua Fundação Anticorrupção (FBK) de funcionarem, classificando-os como “extremistas”.

Nos meses seguintes, novas acusações surgiram contra o rival de Putin. Em janeiro de 2022, ele foi incluído na lista de “terroristas e extremistas” do Serviço Federal de Monitoramento Financeiro da Rússia. No dia 22 de março do ano passado, foi julgado por peculato e desacato, com o tempo de detenção ampliado para 11 anos e meio.

Mais recentemente, em abril de 2022, novas acusações de “terrorismo” foram apresentadas contra ele pela Justiça da Rússia, o que pode levar a uma sentença de prisão perpétua em caso de condenação.

O ataque a Navalny levou a União Europeia (UE) a impor sanções à Rússia e se somou a casos anteriores de dissidentes envenenados. Um deles, o do do ex-espião Sergei Skripal e da filha Yulia, atacados com novichok na Inglaterra, em 2018. Já o ex-espião russo Alexander Litvinenko morreu envenenado por polônio, um elemento radioativo altamente tóxico, em 2006.

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