Seis anos após atentados, Bélgica se prepara para seu maior julgamento

Dez homens são acusados de participar dos atentados de 2016 contra o metrô e o aeroporto de Bruxelas, matando 32 pessoas

Seis anos após Bruxelas ter sido alvo de um duplo atentado que matou 32 pessoas e feriu mais de 300, a Bélgica iniciará na quarta-feira (30) o maior julgamento criminal de sua história. As informações são da rede Voice of America (VOA).

Em março de 2016, duas bombas explodiram no saguão de embarque do aeroporto internacional. Logo depois, um explosivo foi acionado na estação de metrô Maelbeek. Os atentados suicidas, dos quais dez supostos jihadistas são acusados ​​de participar, é tido como o pior episódio de violência em tempos de paz no país.

Ambos os ataques com homens-bomba foram reivindicados pelo grupo Estado Islâmico (EI). A investigação sustenta que eles foram coordenados pela mesma célula com sede na Bélgica.

Memorial em Bruxelas recorda os atentados de 2016 (Foto: WikiCommons)

A seleção do júri começa na quarta, e será supervisionada pelo juiz-presidente Laurence Massart. Serão 12 pessoas escolhidas entre os mil cidadãos belgas convocados para participar do gigantesco processo. O julgamento será realizado dentro do antigo quartel-general da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que será temporariamente transformado em um enorme complexo judicial de alta segurança.

Entre os 10 acusados ​​estão seis homens já condenados na França pelos ataques de novembro de 2015 em Paris na casa de shows Bataclan, em seis bares e restaurantes e nos arredores do estádio Stade de France. Porém, ao contrário do julgamento francês que terminou em junho com uma decisão de um painel de juízes, o caso de Bruxelas será resolvido por um júri.

Entre os acusados já condenados pela Justiça francesa está Salah Abdeslam, de 33 anos, apontado como líder dos ataques em Paris, que deixaram 130 mortos. Ele cumpre prisão perpétua sem direito à liberdade condicional na França.

Os ataques do EI não parariam ali. A organização jihadista tinha mais planos terroristas, que supostamente ocorreriam durante a Eurocopa de 2016 na França, abortados após a prisão de Abdeslam.

Previsto para se estender até junho de 2023, o julgamento deve revirar memórias dolorosas para as cerca de mil vítimas inscritas para comparecer. Entre elas estão pessoas que perderam entes queridos ou ficaram feridos, bem como testemunhas dos atentados duplos.

Uma dessas pessoas é Sebastien Bellin, um ex-jogador profissional de basquete que tinha viagem marcada para Nova York na manhã de 22 de março. Ele, que teve uma perna inutilizada no ataque, diz que hoje já não sente ódio.

“Isso sugaria a energia de que preciso para me reconstruir”, diz o ex-atleta.

Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em fevereiro deste ano, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. O evento foi semelhante a outro, em 2019, que terminou com a morte do líder anterior da organização extremista, Abu Bakr al-Baghdadi.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro de 2022, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também continua a ser um desafio, pois impede as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumenta as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Outro risco que o grupo oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los a seus países de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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