Cooperação global é necessidade crítica para combater o crime organizado transnacional

Questão foi debatida pelo Conselho de Segurança, com referências ao tráfico de pessoas, ao terrorismo, aos crimes digitais e outros

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News

O Secretário-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, apelou por uma ação mais forte para combater o desafio crescente do crime organizado transnacional durante discurso ao Conselho de Segurança na quinta-feira (7). 

António Guterres apelou aos países para que reforcem a cooperação, o Estado de direito e os esforços de prevenção contra esta “ameaça cruel à paz, à segurança e ao desenvolvimento sustentável” que opera em todo o lado, incluindo o ciberespaço, que segundo ele é “um Eldorado virtual para os criminosos.”

O crime organizado transnacional é uma indústria multibilionária que abrange fluxos financeiros ilícitos, o comércio ilícito de armas de fogo e o tráfico de seres humanos, drogas, recursos naturais, vida selvagem e outras mercadorias – todos eles cada vez mais interligados.

Apesar destas muitas formas, “as ramificações são as mesmas: governança enfraquecida, corrupção e ilegalidade, violência aberta, morte e destruição”, disse Guterres.

Além disso, o crime organizado transnacional e os conflitos se alimentam mutuamente, acrescentou, minando assim a autoridade e a eficácia das instituições do Estado, corroendo o Estado de direito e desestabilizando as estruturas de aplicação da lei.

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António Guterres, secretário-geral da ONU (Foto: UN Photo)
Alimentando o caos e o conflito 

O secretário-geral apontou exemplos em todo o mundo, como o Afeganistão e a Colômbia, onde a produção e o tráfico de drogas alimentaram conflitos brutais e duradouros.

Ele também citou a situação no Haiti, que se encontra num ciclo vicioso de colapso do Estado, escalada da violência entre gangues e um crescente comércio ilícito de armas de fogo contrabandeadas para o país, o que permitiu que gangues assumissem o controle de portos, rodovias e outras infraestruturas críticas.

“Em Mianmar, o tráfico de seres humanos e as fraudes online, muitas vezes realizadas a partir de fora do país, estão florescendo num ambiente de violência, repressão e erosão do Estado de direito após a tomada militar em 2021”, acrescentou Guterres.

Ainda observou que, em muitos conflitos, as atividades dos grupos criminosos transnacionais e dos grupos armados se sobrepõem e se cruzam, tornando a resolução de conflitos ainda mais difícil.

A conexão terrorista

Guterres disse que as ligações entre o crime organizado e o terrorismo são outra preocupação. Na região do Sahel, na África, por exemplo, o comércio ilícito de combustíveis, drogas, armas e recursos naturais gera renda a grupos armados, ameaçando as vidas e os meios de subsistência de milhões de pessoas.

Embora o Conselho de Segurança já tenha reconhecido há muito tempo o perigo que o crime organizado transnacional representa para a paz e a segurança internacionais, “devemos fazer mais para fortalecer as nossas defesas”, disse ele, apelando à ação em três áreas prioritárias.

Cooperação e consenso

Dado que a cooperação multilateral é “o único caminho credível para combater as dinâmicas criminosas que alimentam a violência e prolongam os ciclos de conflito”, deve ser reforçada, disse ele.

O secretário-geral instou os Estados-Membros a implementarem plenamente a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e os seus três protocolos adicionais, e a trabalharem em conjunto nas investigações e ações penais.

Ele também manifestou a esperança de que os países cheguem a um consenso sobre um novo tratado sobre o crime cibernético e que compartilhem e troquem dados, observando que os grupos criminosos têm sido rápidos na exploração de criptomoedas e ferramentas digitais. 

Contra o “Estado de Ilegalidade” 

O seu segundo ponto destacou a necessidade crítica de reforçar o Estado de direito, que é “fundamental para os nossos esforços para encontrar soluções pacíficas para os conflitos e enfrentar as ameaças multifacetadas representadas pelo crime organizado transnacional.”

Um Estado de direito eficaz cria confiança nas instituições, cria condições de concorrência equitativas e contribui para reduzir a corrupção, segundo ele. Também sustenta os direitos humanos e permite o desenvolvimento social, político e económico sustentável. 

No entanto, “muitos países correm grave risco de um Estado de ilegalidade”, alertou. “Desde a tomada de poder inconstitucional ao atropelamento dos direitos humanos, os próprios governos estão contribuindo para a desordem e para a falta de responsabilização.”

Promover maior inclusão

Guterres apelou aos países para que reforcem a prevenção e promovam a inclusão, o que inclui intensificar os esforços para alcançar o desenvolvimento sustentável para todos.

As medidas necessárias incluem garantir o respeito pelos direitos humanos, combater o cibercrime de forma mais eficaz e promover a igualdade de gênero.

Homicídios e outras violências 

A chefe do gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), Ghada Waly, repetiu o apelo do secretário-geral para uma ação global coletiva. 

Ela apresentou um relatório, a ser publicado nesta sexta-feira (8), que revela que grupos ou gangues do crime organizado são responsáveis ​​por quase um quarto de todos os homicídios do mundo.

O impacto do crime organizado também se manifesta de novas maneiras alarmantes, disse ela, “desde formas chocantes de violência nas cidades portuárias europeias ligadas ao comércio de drogas, até assassinatos políticos e infiltração em prisões em partes da América Latina.”

Escapando da justiça, explorando sistemas financeiros

Ela disse ao Conselho que as redes criminosas exploram práticas comerciais para facilitar as suas operações e tomam medidas que incluem o uso de determinadas profissões, especialmente na área jurídica, para escapar da justiça, além da exploração de estruturas financeiras para lavagem de dinheiro, por exemplo.

Estes grupos também se tornaram “mais ágeis e descentralizados”, e as suas estruturas são “menos hierárquicas, mais fragmentadas e agrupadas numa rede de especialistas, que prestam serviços e colaboram entre si”, disse ela.

Entretanto, os mercados digitais e as criptomoedas facilitaram a expansão das transações ilícitas, tornando-as mais rápidas e anónimas. 

Os custos e riscos do envolvimento em atividades criminosas nunca foram tão baixos, e a ameaça global representada pelo crime organizado atingiu novos níveis de complexidade, declarou Waly ao Conselho.

“Para responder, precisamos de instituições capazes de fazer justiça e acabar com a impunidade, bem como de comunidades resilientes”, disse ela. “E precisamos de investir muito mais recursos para enfrentar mercados ilícitos que valem biliões de dólares.” 

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