Papa condena execuções de manifestantes e pede mais respeito com as mulheres no Irã

Francisco se manifestou sobre os protestos em andamento há meses no país nesta segunda. No Vaticano, ele “exigindo maior respeito pela dignidade das mulheres”

O Papa Francisco se manifestou nesta segunda-feira (9) sobre os protestos que ocorrem no Irã desde a morte da jovem curda Mahsa Amini por “uso inadequado” do véu islâmico. Quebrando o silêncio sobre o tema, o sumo pontífice condenou o recurso da pena de morte no país, legitimou as manifestações e exigiu das autoridades “maior respeito pela dignidade das mulheres”. As informações são da agência Associated Press.

Francisco adotou uma postura moderada ao não criticar o governo do Irã, algo que está de acordo com suas intenções de promover o diálogo com o mundo muçulmano. Porém, durante um discurso anual aos embaixadores acreditados no Vaticano, ele falou sobre a oposição da Igreja Católica ao aborto e à pena de morte. Segundo o líder religioso, ambas são uma violação do direito fundamental à vida. 

“O direito à vida também está ameaçado naqueles lugares onde a pena de morte continua sendo imposta, como é o caso nestes dias no Irã, após as recentes manifestações que exigem maior respeito pela dignidade das mulheres”, disse Francisco, que acrescentou: 

“A pena de morte não pode ser empregada para uma pretensa justiça estatal, uma vez que não constitui um impedimento nem faz justiça às vítimas, mas apenas alimenta a sede de vingança”.

Papa Francisco durante a 70ª Assembleia Geral da ONU em setembro de 2015 (Foto: UN Photo/Kim Haughton)

Pelo menos cem pessoas já foram condenadas à morte em meio à onda de protestos antigoverno que começou em setembro na república islâmica. Além disso, segundo a agência de notícias ativista HRANA, até 2 de janeiro, pelo menos 516 pessoas foram mortas durante as manifestações, incluindo 70 menores.

Diante desse cenário, Francisco abordou o assunto ao lamentar, em geral, que as mulheres em muitas partes do mundo têm tratamento de “cidadãs de segunda classe”.

“Elas são submetidos a violência e abusos e não têm a oportunidade de estudar, trabalhar, empregar seus talentos e ter acesso à saúde e até mesmo à alimentação”, afirmou. 

Embora o papa tenha indicado mulheres para muitos cargos de alto escalão no Vaticano, algumas alegam que também são tratadas como cidadãs de segunda classe pela igreja, já que não podem ser ordenadas padres.

O papa fortaleceu laços com o Grande Imã de al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb. Em 2019, ambos assinaram o Documento sobre a Fraternidade Humana, uma declaração histórica que convida todos os povos do mundo a participar no avanço dos valores universais do diálogo, da coexistência e da paz. Mas suas tentativas de estabelecer um diálogo com o mundo xiita têm sido cautelosas.

Não houve reação imediata aos comentários de Francisco, embora o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, tenha pedido nesta segunda uma resposta “severa” à desobediência civil nas ruas.

Outro assunto espinhoso abordado por Francisco que incluiu o Irã foi a ameaça das armas nucleares na guerra da Rússia na Ucrânia, particularmente com relação ao colapso nas negociações sobre o programa atômico no país.

Segundo o religioso, tanto o uso quanto a posse desse tipo de armamento é “imoral”. 

Execuções

Até agora, foram registradas ao menos quatro execuções de cidadãos envolvidos com os protestos. A primeira pena capital foi cumprida no começo de dezembro, quando o rapper Moshen Shekari foi enforcado após ter o recurso de sua sentença rejeitado pela Suprema Corte do Irã. Ele foi acusado de “inimizade contra Deus” após supostamente ter ferido um membro do Basij durante os atos no país.

Um segundo manifestante foi executado no dia 12 de dezembro. Majidreza Rahnavard, de 23 anos, foi enforcado em público na cidade de Mashad, no nordeste do país. Ele foi condenado à morte sob acusação de ter esfaqueado dois membros da mesma milícia.

Por que isso importa?

Nos últimos meses, protestos populares tomaram as ruas do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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