Adolescente australiano morre em prisão síria sob custódia de forças curdas

Yusuf Zahab, cuja família se juntou ao Estado Islâmico, estava preso desde 2019, após ser capturado pelas Forças Democráticas Sírias

Um adolescente australiano detido injustamente na prisão de Ghwayran de al-Hasakah, no nordeste da Síria, morreu “em circunstâncias pouco claras”, segundo relatou a ONG Human Rights Watch (HRW) no fim de semana. Ainda criança, ele foi levado à Turquia e depois ao país no Oriente Médio, onde viveu sob o regime do Estado Islâmico (EI).

Natural de Sydney, Yusuf Zahab viajou para a Síria com os pais em 2015 para se juntar ao autodeclarado califado islâmico do EI. Ele tinha 11 anos na época. Faria 18 em abril do ano que vem.

Após a derrocada do EI em março de 2019, com apenas 14 anos, Zahab foi separado de sua mãe e irmã ao ser capturado pelas Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, e levado para a prisão.

De acordo com relato do grupo de direitos humanos, que manteve contato com o jovem, ele contraiu tuberculose em janeiro de 2021 no cárcere. O local é descrito como superlotado, tendo ali detidos suspeitos sírios e estrangeiros fiéis ao Estado Islâmico. Em janeiro, o grupo extremista atacou o local na tentativa de libertar seus seguidores.

Yusuf Zahab fotografado antes de deixar a Austrália aos 11 anos (Foto: Arquivo pessoal/Reprodução redes sociais)

Durante o período em que Zahab esteve preso, seus familiares imploraram ao governo australiano pela sua repatriação. O último contato com o jovem havia sido em janeiro deste ano, quando ele enviou à HRW pedidos desesperados de ajuda pelo WhatsApp durante um cerco do EI, que tentava recapturar a prisão a qual ele estava.

Os jihadistas invadiram Sina’a com o objetivo de libertar centenas de seguidores. Diante da rápida resposta das FDS, os extremistas se refugiaram em um espaço no qual cerca de 700 meninos e adolescentes estavam encarcerados. Os jovens chegaram a ser usados como escudo humano durante o combate. Neste mesmo incidente, Zahab foi ferido na cabeça e no braço.

“Tragicamente, a morte do adolescente Yusuf Zahab não deve ser surpresa para a Austrália e outros governos que terceirizaram a responsabilidade por seus cidadãos mantidos em condições horríveis no nordeste da Síria”, disse Letta Tayler, diretora associada de crise e conflito da HRW. “Sua morte deve levar esses países a trazer urgentemente seus cidadãos detidos para casa”.

Zahab no cárcere, em imagem enviada por ele à Human Rights Watch (Foto: Twitter/Reprodução)

As Forças de Defesa da Síria e outros grupos de segurança regionais atualmente mantêm entre 69 e 80 cidadãos australianos, incluindo 19 mulheres e 39 crianças, como suspeitos do Estado Islâmico no nordeste do país, segundo Kamalle Dabboussy, representante de Zahab e de outros detidos.

Desse número, o governo da Austrália anterior repatriou apenas oito cidadãos, todas crianças desacompanhadas, em 2019. No mesmo ano, o partido do novo primeiro-ministro, Anthony Albanese, declarou que o governo tinha o “dever moral de trazer para casa mulheres e crianças levadas ao território do EI contra sua vontade”.

Repatriação

A Síria diz já ter solicitado repetidamente aos países para que repatriem seus cidadãos, de modo a ajudar as autoridades locais a processar os suspeitos de cometerem crimes pelo EI e, assim, melhorar as condições de detenção, já que argumenta não ter meios para fazê-lo.

Relatório da HRW aponta que mais de 41 mil pessoas, de dezenas de países, vêm sendo mantidas há anos “em condições de risco de vida e muitas vezes desumanas em campos e prisões por autoridades no nordeste da Síria”. Muitos desses detidos são crianças menores de 12 anos, que nunca tiveram a chance de pedir por sua libertação ou repatriação.

Por que isso importa?

Nos últimos anos, o EI se enfraqueceu financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS, uma milícia curda apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), publicado em julho de 2021, a prioridade do EI atualmente é “o reagrupamento e a tentativa de ressurgir” em seus dois principais domínios, Iraque e Síria, onde ainda mantém cerca de 10 mil combatentes ativos. O documento sugere, ainda, que o grupo teve considerável perda financeira, devido a dois fatores: as operações antiterrorismo no mundo e a má gestão de fundos por parte de seus líderes.

Paralelamente à derrocada do EI, a pandemia de Covid-19 reduziu o número de ataques terroristas em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Entretanto, grupos jihadistas têm se fortalecido em zonas de conflito, e isso pode causar um impacto na segurança global conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.

Esse cenário permitiu ao EI, particularmente, ganhar uma sobrevida, fazendo uso sobretudo do poder da internet. À medida em que as restrições relacionadas à pandemia diminuem gradualmente, há uma elevada ameaça de curto prazo de ataques inspirados no grupo fora das zonas de conflito. São ações empreendidas por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar a retomada de força da organização.

 

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