Morte de ditador do Chade expõe controversa relação com a França

Paris não ofereceu proteção ao aliado após ameaças de grupo rebelde; circunstâncias da morte estão sob suspeita

A mal explicada morte do ditador Idriss Déby, à frente do Chade nos últimos 30 anos, no dia 20, traz à tona a controversa relação entre o país e a França, sua ex-colônia, apontou o tabloide britânico “The Telegraph”.

Diferente do que já ocorreu, Paris não ofereceu proteção após ameaças da Fact (Frente para a Mudança e Concórdia no Chade). O grupo formado por militares anti-Déby liderou mercenários sob o general Khalifa Haftar na Líbia desde 2016. Seus líderes prometeram executar Déby caso fosse reeleito.

O presidente deixou de fazer seu discurso de posse para integrar a ofensiva contra os rebeldes, que cruzaram a fronteira com a Líbia ainda no dia 11, data das eleições que conduziram o ditador ao sexto mandato. Comunicados oficiais dizem que Déby morreu como um “mártir” na linha de frente dos confrontos contra os rebeldes – uma versão questionada.

Morte de Déby expõe controvérsia nas relações entre Chade e França
O presidente do Chade, Idriss Deby, em cerimônia na capital N’Djamena, em agosto de 2016 (Foto: Press/Paul Kagame)

Analistas apontam que Paris ignorou as ameaças e não interviu para defender o mandatário – um dos mais antigos da África. “É uma bagunça monumental para a França“, disse Nathaniel Powell, autor do livro Guerras da França no Chade: Intervenções militares e descolonização na África (em tradução livre, sem versão em português). “Eles perdem o seu principal aliado na África”.

Desde a independência do país africano, em 1960, a França não deixou o território desértico da nação, imersa em pobreza e com um dos piores índices de corrupção do mundo. O Chade permaneceu como um ponto estratégico apesar das denúncias de nepotismo e perseguição política nas décadas de domínio de Déby.

Falta de coesão

Segundo Powell, o governo francês não possuía um “plano B” sem Déby. Paris impulsionou sucessivos autocratas no Chade e, por consequência, fez vista grossa sobre os crescentes abusos sobre o país, de 15 milhões de habitantes e com o 3º pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo.

Era Déby quem mantinha um papel crucial na luta contra os grupos jihadistas alinhados à Al-Qaeda no Sahel africano enquanto seu governo, na capital N’Djamena, guardava a base da Operação Bakhane, ofensiva contraterrorismo francesa com mais de cinco mil soldados.

O pesquisador da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, Jalel Harchaoui, atribui aos generais grande parte da responsabilidade pela morte do ditador chadiano. “Por oito dias, o mundo inteiro soube que a Fact estava indo à capital”, disse. “Mas os generais de Déby não mobilizaram as forças do Chade”.

Conforme Harchaoui, houve uma “ambivalência e falta de coesão” em torno do presidente. O pesquisador também critica o “padrão duplo” francês sobre suas ex-colônias. Segundo ele, quando uma junta militar depôs o presidente do Mali, em 2020, Paris exigiu um “retorno à ordem constitucional”.

O governo da França não cobrou o mesmo do Chade nos 30 anos de governo absoluto de Déby. “Houve um erro grave da política externa francesa”, apontou.

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