Militar norte-americano vai a julgamento por tentar ajudar o EI a matar os próprios colegas

Soldado forneceu a um agente federal disfarçado informações que serviriam para o grupo extremista atacar militares dos EUA

Um militar norte-americano se declarou culpado perante uma corte dos EUA, na quarta-feira (14), de tentar ajudar o Estado Islâmico (EI) a matar os próprios colegas soldados. Ele será sentenciado pelo juiz em novembro, e a pena máxima prevista é de 40 anos de prisão.

Identificado como Cole Bridges, o soldado de 22 anos começou em 2019 a consumir conteúdo extremista online, voltado a difundir a jihad e sua ideologia violenta. Através de redes sociais, manifestou simpatia pelo EI, o que levou o FBI, a polícia federal norte-americana, a colocá-lo sob observação.

No ano seguinte, 2020, os federais designaram um agente para entrar em contato com Bridges fingindo ser um representante do EI. O militar, então, cometeu uma série de crimes que permitiram às autoridades prendê-lo.

Nas conversas que manteve com o agente disfarçado, Bridges manifestou sua frustração com as forças armadas norte-americanas e seu desejo de apoiar o EI. Então, passou a fornecer ao federal, que ele acreditava ser um terrorista, informações que poderiam ajudar o grupo extremista a atacar os EUA.

Ele forneceu conselhos sobre alvos em potencial na cidade de Nova York e repassou inclusive um manual de treinamento do exército com táticas de combate. Cerca de dois meses após o início do contato, passou instruções sobre a melhor maneira de atacar as forças norte-americanas no Oriente Médio, sugerindo inclusive manobras militares específicas que aumentariam o sucesso da operação.

Como prova de seu apoio ao EI, o soldado gravou um vídeo no qual exibe uma bandeira da organização jihadista. E, com um software de manipulação de voz, narrou um discurso de propaganda exaltando o sucesso da suposta ação terrorista contra as tropas.

Preso, ele foi levado a julgamento por dois crimes: oferecer suporte material ao EI, que prevê pena de 20 anos de prisão, e tentar assassinar membros das forças armadas norte-americanas, com pena também de 20 anos. Segundo o Departamento de Justiça, a sentença será anunciada pelo juiz Lewis J. Liman em 2 de novembro.

Militares norte-americanos em treinamento (Foto: reprodução/Facebook)
Por que isso importa?

Embora ainda seja relevante no cenário extremista global, o EI tem se enfraquecido financeira e militarmente. Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que ela dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos, quase sempre focados em agentes do governo. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela organização extremista na Síria.

Em fevereiro de 2022, o grupo sofreu mais um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já o sucessor dele, Abu al-Hassan al-Hashimi al-Qurashi, foi morto em outubro, segundo anunciou o próprio grupo.

De acordo com um relatório do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) publicado em fevereiro do ano passado, as perdas territoriais e de pessoal transformaram o EI, que antes controlava boas partes da Síria e do Iraque, em “uma insurgência principalmente rural, resistindo à pressão antiterrorista sustentada pelas forças da região”.

A pandemia também foi um desafio, pois impedia as “viagens transfronteiriças, diminuindo as ameaças decorrentes de fluxos de combatentes em zonas de conflito e viagens terroristas mais amplas em zonas de não conflito”. Por outro lado, a estagnação do terrorismo em meio à onda de Covid-19 aumentou as “oportunidades de recrutamento e radicalização online”, criando a perspectiva de uma retomada futura das ações extremistas globais.

Um risco que o grupo ainda oferece é a presença de milhares de ex-combatentes em prisões e campos de deslocados em várias partes do mundo. Devolvê-los às nações de origem e processá-los judicialmente é um desafio para os Estados-Membros da ONU, e os estabelecimentos que abrigam os extremistas são um potencial alvo de ataques para o EI. Exatamente como ocorreu na prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria, invadida pelo grupo com a meta de libertar seguidores.

“Devido à capacidade severamente degradada, a sobrevivência futura do EI depende de sua capacidade de reabastecer as fileiras por meio de tentativas mal concebidas, como o ataque a Hasakah”, afirmou o major-general norte-americano John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização liderada pelos EUA para combater o EI. Segundo ele, a ação na prisão síria gerou enorme prejuízo ao grupo terrorista, que “sentenciou à morte muitos dos seus que participaram deste ataque”.

Atualmente, o principal reduto do EI é o continente africano, onde consegue se manter relevante graças ao recrutamento online e à ação de grupos afiliados regionais. A expansão do grupo em muitas regiões da África desde o início de 2021 é alarmante e pode marcar sua retomada de força. No Sudeste Asiático, ao contrário, os países da região têm obtido sucesso significativo em interromper o terrorismo de facções afiliadas.

No Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista Veja mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os recentes anúncios do Tesouro causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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