O Irã é uma ameaça crescente no tradicional ‘quintal’ dos Estados Unidos

Uma nação hostil a Washington exerce influência cada vez maior a poucos quilômetros do solo norte-americano, diz o artigo

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site The Defense Post

Por Dominique L. Plewes

Os documentos vazados na rede social Discord revelaram que o Irã e seus aliados na Síria estão armando e treinando militantes para “uma nova fase de ataques letais contra as tropas americanas no país”, usando poderosas bombas perfurantes de beira de estrada.

Enquanto isso, a cerca de dez mil milhas (16 mil quilômetros) de distância, o Irã vem construindo uma rede para desafiar os EUA em seu próprio quintal. Embora as atividades da China nas Américas tenham recebido atenção significativa, o Irã, a única potência estrangeira responsável por ataques recentes a cidadãos americanos, também está trabalhando arduamente para minar os interesses dos EUA na América Central e do Sul.

A busca de influência global do Irã não é novidade, e combater sua influência no Oriente Médio tem sido um objetivo antigo da política dos EUA. Mas, nos últimos anos, Teerã intensificou seus esforços para expandir sua presença na América Latina.

Do México ao Chile, o inimaginável se tornou realidade: uma nação hostil aos Estados Unidos exerce sua influência a poucos quilômetros do solo americano.

Ebrahim Raisi, presidente do Irã, durante campanha em 2017 (Foto: Tasnim News Agency/WikiCommons)
Por que América Latina?

A resposta está enraizada nos objetivos estratégicos do Irã, dos quais dois são proeminentes: fugir das sanções dos EUA e criar uma rede de aliados para contrabalançar Washington. Ao aumentar sua influência em uma região onde o sentimento antiamericano é facilmente despertado, o Irã pretende estabelecer um “eixo de resistência antiamericano”.

Para cumprir sua missão de expandir a influência no Hemisfério Ocidental, o Irã emprega várias táticas. Desenvolveu redes intrincadas para evitar sanções, utilizando empresas de fachada, casas de câmbio e outros mecanismos para sustentar relações comerciais com empresas-alvo na região.

O Irã também estabeleceu uma extensa rede de laços por meio da diplomacia, comércio e ajuda econômica. O país mantém inúmeras embaixadas e consulados em toda a América Latina, que podem ser usados ​​para facilitar a evasão de sanções, fornecer cobertura para autoridades e empresas iranianas e ajudar a coordenar atividades de inteligência.

Para a Venezuela, outro país cercado pelas sanções dos EUA, o Irã oferece apoio econômico para ajudar a revitalizar sua indústria de petróleo. Em 2020, a proeminente rede de varejo do Irã Megasis abriu uma loja em Caracas. Além disso, os países assinaram um acordo de 20 anos cobrindo os campos político, cultural, turístico, econômico, petrolífero e petroquímico, levando à fabricação de milhares de automóveis iranianos na Venezuela.

Na Nicarágua, o Irã comprometeu US$ 350 milhões para ajudar na construção do primeiro porto de águas profundas do país, bem como US$ 120 milhões para um projeto de usina hidrelétrica.

Suborno, cartéis e propaganda

O Irã não hesitou em usar suborno. Em vários incidentes, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos apresentou acusações contra empresas ou indivíduos iranianos por subornar autoridades em países latino-americanos, incluindo Venezuela, Equador e Bolívia.

As atividades criminosas de Teerã não se limitam ao suborno, pois o país tem uma longa história de crime transnacional e terrorismo patrocinado pelo Estado. A DEA (Administração de Repressão às Drogas, na sigla em inglês) encontrou evidências ligando a organização terrorista Hezbollah, financiada pelo Irã, a operações de tráfico de drogas envolvendo cartéis colombianos, mexicanos, brasileiros e venezuelanos, ganhando cerca de US$ 2 bilhões anualmente, enquanto provavelmente ganha influência indireta sobre funcionários corruptos.

Além disso, o Irã colabora diretamente com os cartéis, mesmo nos níveis mais altos de sua liderança militar. A Força Quds, um ramo do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, na sigla em inglês), tem uma conhecida associação com cartéis na Colômbia e no México, lavando dinheiro e facilitando o transporte de drogas. Em 2011, a DEA desfez um complô entre a Força Quds e o cartel Zetas do México para bombardear a embaixada israelense em DC.

Na Argentina e no Brasil, o Irã foi implicado em atentados contra embaixadas israelenses e a comunidade judaica, matando 114 pessoas e ferindo mais de 500.

Na frente da propaganda, um dos esforços mais notáveis ​​é a HispanTV, um canal de notícias em espanhol operado pela emissora estatal iraniana. Por meio da colaboração com organizações islâmicas extremistas, a HispanTV divulga um fluxo constante de desinformação antiocidental.

Um número crescente de “centros culturais” iranianos expande ainda mais a influência no Brasil, Colômbia, Chile, Argentina, Equador, Nicarágua e Venezuela.

Atividade militar aberta e encoberta

Algumas das incursões mais sinistras do Irã ocorreram no domínio militar. Extremistas de grupos subversivos recebem treinamento armado de grupos terroristas ligados ao Irã, como Hezbollah ou Hamas.

Teerã “mostrou a bandeira” com sucesso em uma recente visita a um porto da Marinha no Brasil e empreendeu jogos de guerra conjuntos, como o “Sniper Frontier”, um exercício militar conduzido por Irã, Rússia, China, Venezuela e outros parceiros do “eixo de resistência”.

Atividades secretas também são evidentes, como suspeitas de navios de guerra iranianos contrabandeando armas para a Venezuela e ocorrências de membros da Guarda Revolucionária Islâmica sendo interceptados no espaço aéreo da Argentina.

Em abril, o The New York Times informou sobre o vazamento de inteligência dos EUA, sugerindo discussões recentes entre autoridades iranianas e nicaraguenses sobre o aprimoramento da cooperação militar para combater a influência americana na América Latina.

Ligue os pontos

O Irã trava uma “guerra de baixa intensidade” com os EUA desde 1979, quando revolucionários iranianos tomaram a embaixada dos EUA em Teerã e mantiveram 52 americanos como reféns por 444 dias.

O regime revolucionário rotulou abertamente os EUA como o Grande Satã. O Irã foi implicado em bombardeios de quartéis do Corpo de Fuzileiros Navais em Beirute e embaixadas dos EUA em Beirute, Cidade do Kuwait, Nairóbi e Dar es Salaam, que mataram quase 300 pessoas e feriram milhares. Nos últimos anos, as forças iranianas lançaram mais de 83 ataques contra as tropas americanas no Iraque e na Síria.

O foco míope dos Estados Unidos de duas décadas no Oriente Médio já lhe custou uma oportunidade de superar a crescente influência da China na América Latina. No entanto, a atenção à China e à Rússia não é injustificada.

A presença da China é fortemente sentida em toda a América Central, e a mudança de lealdade hondurenha de Taiwan para a China foi muito mais um choque para a mídia americana do que para o povo hondurenho. A China efetivamente se incorporou à cultura, ao comércio e à política da América Central, e os EUA precisam combatê-la – mas não à custa de ignorar outras ameaças.

Os EUA estão, novamente, cometendo o grave erro estratégico de desviar os olhos de um adversário declarado que, como a Al-Qaeda, está telegrafando suas intenções. Os relatórios após o 11 de setembro apontavam para um erro crítico: os EUA permitiram que terroristas islâmicos estabelecessem um santuário no Afeganistão onde pudessem treinar, equipar e doutrinar.

Na América Latina, o Irã emprega táticas semelhantes às utilizadas pela Al-Qaeda, estabelecendo centros de planejamento e execução de ataques.

Após o 11 de setembro, Washington criou uma rede de compartilhamento de informações e recursos para antecipar e prevenir futuros ataques. À medida que os pontos entram em foco, as atividades do Irã na América Latina devem ser preocupantes para os profissionais de segurança nacional dos EUA.

Há um forte aumento na cooperação militar ao lado de propaganda antiamericana sofisticada. Esses desenvolvimentos criam a infraestrutura para treinamento e o canal de recrutamento, ambos elementos cruciais para possíveis ataques terroristas.

Os formuladores de políticas estão focados na dinâmica mais ampla da Grande Competição de Potência, ao mesmo tempo em que prestam pouca atenção às vulnerabilidades dentro da “zona cinza suave” do conflito. É essencial reconhecer que as duas décadas de Guerra contra o Terrorismo dos Estados Unidos inadvertidamente forneceram o espaço para respirar que permitiu à Rússia se reconstruir, à China crescer e ao Irã preparar sua bomba.

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