Países do G7 lançam iniciativa de US$ 600 bilhões para rivalizar com a Nova Rota da Seda, da China

Projeto chinês gera desconfiança em Washington, que enxerga o investimento como arma de Beijing para aumentar sua influência global

O G7, grupo que inclui as sete democracias mais ricas do mundo, anunciou um projeto de investimento em infraestrutura de US$ 600 bilhões para rivalizar com a Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa semelhante da China que engloba mais de cem nações parceiras. As informações são do site Politico.eu.

O anúncio foi feito no domingo (26) durante cúpula realizada nos alpes alemães, com alguns dos líderes dos sete membros, que são Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. O presidente francês Emmanuel Macron e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson não estiveram presentes, mas seus países são parte do projeto.

A expansão da BRI tem sido acompanhada com desconfiança por Washington e seus aliados, que enxergam o investimento como uma arma de Beijing para ampliar sua influência política e econômica.

“Nossa nação e o mundo estão em um ponto de inflexão genuíno em nossa história”, afirmou o presidente norte-americano Joe Biden, que em nenhum momento citou a China, mas deixou claro o foco de seu discurso.

“Estamos oferecendo melhores opções para pessoas em todo o mundo”, disse Biden, cujo governo investirá US$ 200 bilhões nos próximos cinco anos, com dinheiro de fundos federais e da iniciativa privada. “Quero ser claro. Isso não é ajuda ou caridade. É um investimento que trará retorno para todos”, disse ele, segundo a agência Reuters.

A União Europeia (UE), por sua vez, já havia anunciado a intenção de investir 300 bilhões de euros nas nações em desenvolvimento. A intenção é oferecer aos destinatários do dinheiro uma alternativa à versão chinesa, tida como desfavorável aos credores.

Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, trata-se de “um poderoso impulso positivo de investimento ao mundo para mostrar aos nossos parceiros em desenvolvimento que eles têm uma escolha”.

No final do ano passado, ao anunciar a adesão da UE ao projeto, von der Leyen havia questionado as condições da BRI. “Quando se trata de opções de investimento, atualmente são relativamente limitadas. E as poucas opções que existem muitas vezes vêm com muitas letras pequenas, o que inclui grandes consequências, seja financeiramente, politicamente e também muitas vezes socialmente”.

Focado sobretudo em parcerias com nações da Ásia e da África, o projeto do G7 surgiu no ano passado, durante reunião no Reino Unido, e foi batizado incialmente de Build Back Better World (reconstruir um mundo melhor, em tradução literal). Entretanto, a ideia estacionou e somente agora ganhou nova tração, com o nome de “Parceria para Infraestrutura e Investimento Globais”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em cúpula dos líderes do G7 na Cornualha, 6 de outubro de 2021. (Foto de Andrew Parsons/No 10 Downing Street)
Resposta chinesa

Questionado sobre a concorrência, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, foi diplomático. “A China continua a dar as boas-vindas a todas as iniciativas para promover o desenvolvimento de infraestrutura global”, disse ele, segundo a Reuters.

O tom mudou, porém, ao comentar as críticas feitas pelo Ocidente. “Acreditamos não haver dúvidas de que muitas iniciativas relacionadas substituirão umas às outras. Mas nos opomos ao avanços nos cálculos geopolíticos sob o pretexto de construção de infraestrutura e à difamação da BRI”.

Os efeitos da guerra

Um dos focos do financiamento é combater as mudanças climáticas. Por exemplo, com projetos que permitam a nações africanas e asiáticas desativar usinas de carvão. Nesse sentido, os EUA já deram um primeiro passo ao firmarem um acordo com Angola para investir US$ 2 bilhões na geração de energia solar.

Há, ainda, uma série de ações batizadas de Parcerias de Transição de Energia Justa, lançadas na África do Sul, na Índia, na Indonésia, no Vietnã e no Senegal. A Alemanha encabeça essas ações, com o anúncio do chanceler Olaf Scholz de investir US$ 300 milhões somente na África do Sul.

No entanto, a guerra na Ucrânia aumentou a inflação global, levando os investidores a refazer as contas. Também colocou o mercado de combustíveis fósseis em polvorosa, desacelerando a substituição das fontes de energia. Agora, as nações do G7 parecem mais focadas em tentar reduzir os preços do petróleo e do gás natural do que em reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

“Nosso trabalho de promover infraestrutura globalmente também é afetado pela atual situação geopolítica”, disse o chanceler alemão. “Portanto, discutimos como nosso investimento global em energia neutra em termos climáticos e de baixo carbono, incluindo gás, pode nos ajudar a fornecer uma resposta temporária ao uso da energia como arma pela Rússia”.

Por que isso importa?

A Nova Rota da Seda começou a se desenhar após a crise financeira internacional de 2008, quando as empresas chinesas se voltaram para a Eurásia de olho em atraentes ativos industriais e comerciais. Então, pipocaram projetos de infraestrutura de transporte e energia com financiamento chinês, o principal foco desde então. Em 2013, a iniciativa se estabeleceu globalmente como uma das bases da política externa do presidente Xi Jinping.

O objetivo central da BRI é espalhar a influência de Beijing através do investimento. No total, 140 países foram beneficiados com dinheiro proveniente da iniciativa chinesa até 2020, sendo o maior número da África, 40 nações. Entre 2013 e dezembro de 2020, a China investiu cerca de US$ 770 bilhões nos países participantes da BRI.

No início, os governos receberam muito bem os bilhões de dólares injetados por Beijing, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

Isso é parte da estratégia da China, que invariavelmente usa a inadimplência como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) mundo afora ao assumir o controle de infraestruturas cruciais em todos os continentes.

Encontro de chefes de Estado ligados à nova Rota da Seda, em Beijing, em abril de 2019 (Foto: RIA Novosti/Presidência da Federação Russa)

A questão ambiental é outro ponto negativo da BRI. Segundo Vuk Vuksanovic, pesquisador da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres, Beijing tem como objetivo “a terceirização da poluição e da degradação ambiental para países mais pobres e distantes, com extrema necessidade de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento socioeconômico, cujos governos ignoram os riscos ambientais”.

Um estudo do think tank canadense Iffras (Fórum Internacional por Direitos e Segurança, da sigla em inglês) corrobora a opinião de Vuksanovic. Segundo relatório publicado em setembro de 2021, a iniciativa chinesa tende a “aumentar ainda mais a degradação ambiental e as mudanças climáticas”.

Em países como Indonésia, Egito, Quênia, Bangladesh, Vietnã e Turquia, a BRI está ligada a projetos de usinas de geração de energia movidas a carvão. No final de 2016, a ONG Global Environment Institute (Instituto de Meio Ambiente Global, em tradução literal) registrou 240 projetos movidos a carvão ligados à iniciativa chinesa.

“A Nova Rota da Seda tem um grande foco na construção de projetos de energia, e quase 90% deles são intensivos em carbono, operando com combustível fóssil“, diz o documento do Iffras. “Dada a magnitude da BRI, que se espalha pelos cinco continentes, o planeta vai sofrer impactos graves e negativos graças ao jeito chinês de construir projetos em que as diretrizes ambientais dificilmente são seguidas”.

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