A perigosa dependência da Europa em relação à China

Artigo diz que a UE acordou para a influência malévola do regime chinês, mas carece de uma estratégia para enfrentá-la

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Carnegie Endowment for International Peace

Por Judy Depmsey*

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia há mais de treze meses, Ursula von der Leyen reagiu rapidamente. A presidente da Comissão Europeia foi além de criticar a agressão e brutalidade da guerra. Ela visitou Kiev várias vezes. Ela foi inequívoca sobre a necessidade de impor mais sanções à Rússia. Ela estabeleceu um relacionamento especial com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. E ela foi fundamental para conceder à Ucrânia, assim como à Moldávia, o status de candidatas à União Europeia (UE).

A atitude de Von der Leyen em relação ao ataque da Rússia à Ucrânia está ligada à sua visão da China. O discurso que ela fez em Bruxelas em 30 de março de 2023 foi sobre como a UE deveria implementar uma política de segurança, econômica e comercial coerente em relação à China. A Europa, disse ela, tinha que reconhecer que o objetivo claro do Partido Comunista Chinês (PCC) é uma “mudança sistêmica da ordem internacional”. O presidente Xi Jinping quer tornar “a China menos dependente do mundo e o mundo mais dependente da China”.

Essa visão da dependência é crítica. A globalização criou múltiplas formas de dependências. Para os europeus, especialmente a Alemanha, o lado negativo disso foi exposto quando Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, destacando como a Europa havia se tornado dependente do gás russo.

Apesar dos repetidos avisos da Polônia, dos Estados Bálticos, da Ucrânia e dos Estados Unidos, a Alemanha, apoiada por outras grandes empresas de energia europeias, foi em frente e construiu os gasodutos Nord Stream. O presidente Vladimir Putin usou isso como um importante instrumento geoestratégico.

Quando a Alemanha interrompeu o projeto Nord Stream 2 há mais de um ano, os preços da energia dispararam em toda a Europa. Moscou esperava que isso enfraquecesse a unidade europeia sobre a Ucrânia. Isso não aconteceu. Os governos correram para encontrar fontes alternativas à energia russa. E aceleraram a expansão das energias renováveis.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (à esq.) e o presidente do Conselho Europeu Charles Michel, na Cúpula China-UE em 2020 (Foto: União Europeia)

Ao focar em energia renovável, no entanto, os governos correm o risco de cometer o mesmo erro de dependência da China que cometeram com o gás russo.

Von der Leyen apontou que Xi queria que o país aumentasse a dependência das cadeias de produção internacionais da China “para formar uma poderosa contramedida e capacidade de dissuasão”. Segundo a presidente da Comissão, “isso é especialmente verdadeiro quando se trata de matérias-primas críticas como o lítio ou o cobalto. Para setores como trens de alta velocidade e tecnologia de energia renovável. Ou para tecnologia emergente que é fundamental para a segurança econômica e nacional futura – como computação quântica, robótica ou inteligência artificial”.

A China, acrescentou ela, não tem escrúpulos em explorar essa dependência. O foco de Xi na segurança e controle na China significa priorizar a segurança e a economia sobre os direitos políticos e civis e estabelecer instituições para desafiar o atual sistema internacional. Trata-se de estabelecer uma “nova visão para uma ordem internacional”.

Como, então, os europeus vão responder ao objetivo de Xi?

Eles não gostam da feroz disputa e confronto entre os Estados Unidos na China, que Xi sem dúvida tentará explorar quando von der Leyen e o presidente francês Emmanuel Macron viajarem juntos para Beijing.

Mas os europeus entendem cada vez mais os riscos de segurança e investimento que a China representa para os setores estratégicos do bloco e como sua dependência do mercado chinês os torna vulneráveis.

No entanto, alguns países da UE, principalmente a Alemanha, parecem alheios ao custo de sua dependência econômica da China. Apesar das reservas de seus parceiros da coalizão verde, o chanceler Olaf Scholz visitou a China em novembro passado, acompanhado por uma grande delegação empresarial e comercial. É como se a crise de energia e a (agora quebrada) dependência da Alemanha do gás russo não tivessem alertado Berlim de como está criando outra dependência – desta vez da China para materiais de terras raras.

“Esta é uma área em que contamos com um único fornecedor, a China, para 98% de nosso suprimento de terras raras, 93% de nosso magnésio e 97% de nosso lítio. Apenas para citar alguns…”, lembrou von der Leyen ao público.

A Europa respondeu à crise energética diversificando suas fontes. Responder ao controle virtual da China sobre materiais de terras raras, combinado com seu imenso poder econômico e político, é muito mais difícil. Von der Leyen não mediu palavras ao descrever as políticas chinesas de desinformação, coerção econômica e comercial e suas sanções contra autoridades que criticam Beijing, levantam questões de direitos humanos ou estreitam laços com Taiwan.

“Tudo isso faz parte de um uso deliberado de dependências e alavancagem econômica para garantir que a China obtenha o que deseja de países menores”, disse ela. O que equivale a bullying e não vai parar.

Nesse ínterim, a Comissão propôs uma Lei de Matérias-Primas Críticas para diversificar e garantir o abastecimento. A UE precisa acelerar a conclusão de acordos comerciais. Está procurando maneiras de proteger suas tecnologias sensíveis e ter regras de investimento para defender a segurança nacional dos Estados-Membros. Tais planos, disse von der Leyen, serão estabelecidos em uma nova Estratégia de Segurança Econômica ainda neste ano.

Para administrar o relacionamento – “desarriscar, não desacoplar”, como ela o chama –, von der Leyen insistiu que os Estados-Membros e as instituições precisam de uma vontade coletiva para responder juntos. Deve haver “vontade de evitar a divisão e conquistar tacadas que sabemos que podemos enfrentar”.

Até agora, a UE defendeu a Ucrânia e enfrentou Putin. Não pode ficar sozinha enquanto a China implementa sua agenda de mudar as regras internacionais em seus próprios termos.

*membro sênior não residente da Carnegie Europe e editora-chefe do canal Strategic Europe

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